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sexta-feira, julho 29, 2022

O futuro da civilização não parece muito risonho

Kenneth Clark [1969], Civilização, O Contributo da Europa para a Civilização Universal, Gradiva, 2ª ed., 2022

⭐⭐⭐⭐


«A incompreensibilidade do nosso novo cosmo parece-me, em última análise, a razão para o caos da arte moderna. Sei pouco mais do que nada sobre ciência, mas passei a minha vida a estudar a arte, e estou completamente perplexo com o que se passa hoje. Às vezes gosto do que vejo, mas quando leio os críticos modernos percebo que as minhas preferências são puramente acidentais.

Contudo, no mundo da acção algumas coisas são óbvias - tão óbvias que hesito em repeti-las. Uma delas é a nossa dependência cada vez maior das máquinas. Deixaram de ser ferramentas e passaram a dar-nos instruções. Da metralhadora Maxim ao computador, são, na sua maior parte, meios através dos quais uma minoria consegue subjugar os homens livres.

Outra das nossas especialidades é a nossa ânsia de destruição. Com a ajuda das máquinas, demos o nosso melhor para nos destruirmos em duas guerras, e ao fazê-lo libertámos uma enxurrada de maldade, que as pessoas inteligentes tentaram justificar com o elogio da violência, «teatros de crueldade» e por aí adiante. Juntemos a isto a memória dessa companheira sombria que está sempre connosco, como o reverso do anjo da guarda, silencioso, invisível, quase irreal – e, no entanto, inquestionavelmente presente e pronta a afirmar-se ao toque de um botão, e teremos de reconhecer que o futuro da civilização não parece muito risonho.»

Kenneth Clark, op. cit., pp. 409-411.

*****

Se procura o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo, enfim, a arte moderna e pós-moderna, não os encontrará por aqui. Esses movimentos artísticos não se contam entre as grandes contribuições da Europa para a Civilização. A arte moderna está num caos. As palavras de Kenneth Clark sobre a actual situação da arte ressoam a decadência de uma civilização e até da Civilização. Estaremos já a viver uma Era crepuscular? Muitas são as vozes a anunciá-lo. A de Kenneth Clark é uma delas. São demasiadas vozes para que fiquemos impávidos e serenos, sem partir para a acção. 

Mas talvez já seja tarde. Os novos bárbaros já estão na cidade. E não, não são os imigrantes, nem os refugiados.


Joseph-Noël Sylvestre, O Saque de Roma pelos Bárbaros, em 410 d.C., 1890

segunda-feira, setembro 28, 2020

A paz da Europa

A Europa não é um lugar perigoso, mas está rodeada de lugares perigosos.

 Nuno Rogeiro, “Leste Oeste”, SIC Notícias (27/09/2020)

*** 

Arménia, Azerbaijão, Turquia (áreas reivindicadas pelos curdos), Ucrânia (Leste), Síria, Líbano, Palestina, Líbia, entre outros. Lugares perigosos, nada recomendáveis.

 

É também bom lembrar que a Europa já foi um lugar perigoso, muito mais perigoso do que os actuais lugares perigosos que a rodeiam.  E já o foi muitas vezes. E poderá voltar a sê-lo. A paz na Europa hoje está bem cotada, o que não significa que seja uma garantia para todo o sempre.

 

A atual paz da Europa Ocidental é uma anomalia histórica. É bom não o esquecer.

sexta-feira, novembro 25, 2016

O sacrilégio do Rentes

Rentes cometeu um sacrilégio. Esse, o de juntar numa só frase, as palavras “refugiado” e “terrorismo”. O sacrilégio de pensar pela sua própria cabeça. O sacrilégio de considerar o “politicamente correcto” uma obnubilação aos que ousam exprimir livremente um pensamento claro e limpo, livre de conspurcações ideológicas e modas correntes.

Ora um pensamento livre não se deixa agrilhoar pelo "politicamente correcto".

Cá vai:

 Com os seus atentados e degolações, o terrorismo bastaria como séria ameaça, mas mesmo sem violência, pela simples presença e número, os refugiados contribuirão igualmente, senão para destruir a Europa, de certeza para abalar os seus alicerces, transformar as suas instituições, desestabilizar o equilíbrio e a variedade das sociedades que a compõem. Os refugiados do Médio Oriente não conhecem mais do que os regimes tirânicos e autoritários que, malgrado as suas imensas riquezas, só produzem sofrimento, atraso e miséria.

Será então razoável esperar que gente nada e criada nesses ambientes seja capaz, ou deseje, abraçar os nossos valores de liberdade e respeito quando, apesar do sofrimento, eles, como muçulmanos, consideram o seu modo de encarar a vida o único possível? E a sua religião única e obrigatória?

Rentes de Carvalho, A Ira de Deus Sobre a Europa, Quetzal, 2016, pág. 13.

sábado, novembro 19, 2016

The Times They are a Changing. Really?! A Nova Ordem Trumpeana

Tudo começou quando se cantava uma Nova Ordem Mundial no rescaldo da antiga (com a derrota da URSS no Afeganistão e o seu fim, surpreendente, na época). Seguiu-se, breve, uma nova ordem unipolar dominada pela hiperpotência americana. A América era grande outra vez. Essa nova ordem foi uma ordem de novas guerras e rebeliões em países aparentemente distantes da Europa, mas não tão distantes quanto isso. Durante os conflitos, potentes meios de comunicação globais não deixavam de mostrar as imagens dos infernos terrestres (tivemos bombardeamentos em directo comentados com todo o profissionalismo) e imagens dos paraísos terrestres, chegando tais imagens aos quintos dos infernos terrestres. E os que viviam no inferno dos conflitos, e os que podiam, rapidamente de lá queriam sair, legitimamente ou ilegitimamente. E saíam. E para onde rumar, mesmo com risco de vida, se não para os paraísos terrestres mais próximos.

Carontes bem pagos ajudavam à travessia agora inversa, do Hades ao Éden, das terras dos mortos para as terras dos vivos, terras prometidas de vida farta e plena. Então os novos bárbaros começaram a chegar, ousando atravessar desertos e fossos dantescos, mediterrânicos. Os novos bárbaros serão os novos europeus (lê-se numa revista), pois claro (afinal os velhos europeus – nós - também não fomos  já velhos bárbaros?).

***

Schengen rebentou como uma barragem prenhe de água até não poder mais. O descontrolo instalou-se nas fronteiras externas da “União” e depois nas fronteiras internas. Rios de imigrantes e refugiados começaram a penetrar os caminhos da Europa em direção ao Norte. A figura do imigrante clandestino, ilegal, desapareceu. Eram todos refugiados. Um governo socialista francês fechou os olhos à construção de uma cidade de barracas num extremo do seu território, frente à fossa mais estreita e menos profunda, e por isso mais transponível, do Canal da Mancha. Formou-se então essa enorme “selva” de habitações precárias – uma “selva” em plena Europa continental, frente a esse outro paraíso mais paradisíaco, aos olhos de quem procura, não refúgio, mas outra coisa qualquer, que é a Grã-Bretanha. Na verdade, aqueles refugiados de Nord-Pas-de-Calais, já não fugiam da guerra, não procuravam refúgio, procuravam sim outra coisa. Pois afinal no paraíso francês não havia guerra, não é verdade? Então o que procuravam aqueles refugiados? Não haviam alcançado já a paz nas terras de França? Não se encontravam já distantes dos infernos terrestres? A constituição da “Selva” em Nord-Pas-de-Calais teve um efeito desconfortável no subconsciente de muitos dos que viviam além Mancha. Afinal, meu Deus, meu Deus, o que vinha aí. Epílogo: Venceu o Brexit! O Reino Unido, desunido, abandona o barco Europeu, qual escaler lançado ao mar em momento de aflição ou invasão, quando o grande navio já mete água por todo o lado.

***

Meses depois, do outro lado do Atlântico, vence um Trump. Um grosseiro. Outro rombo no casco do navio Ocidental.

O Euro afunda-se agora face ao dólar, na iminência de uma subida das taxas de juro diretoras americanas e a Itália ameaça uma evasão da zona Euro, aprofundando mais ainda a eterna crise do Euro. Crise que só terminará, diga-se de passagem, com o fim do Euro. Em suma: o Euro é a crise.

Por tudo isto são por isso agora mais sonoros os brados dos profetas da desgraça e das cassandras, anunciando o fim do Euro e a derrocada do projeto Europeu. O fim de um mundo que se queria novo e o começo de um novo mundo que afinal é o velho.

The times are changing.

Mas o vento que por aqui sopra, nem cheira bem, nem está de feição.

 Eis a nova ordem trumpeana.

***


quarta-feira, julho 13, 2016

O abismo da história, uma vez mais

A velha Europa, em vez de saltar em frente, por cima do abismo da história, deixa-se resvalar uma vez mais para esse abismo, presa a um destino que ninguém deseja.

terça-feira, julho 12, 2016

O arreigado empenho da Europa na desunião

A habitual unidade da China e a perpétua desunião da Europa têm ambas uma longa história. As áreas mais produtivas da China moderna foram politicamente unidas pela primeira vez em 221 a.C. e assim permaneceram pela maior parte do tempo desde então. A China teve um só sistema de escrita desde os inícios da literacia, uma única língua dominante por muito tempo e unidade cultural substancial durante dois mil anos. Pelo contrário, a Europa nunca esteve, nem de longe, perto da unificação política: ainda estava repartida por 1000 pequenos estados independentes no século XIV, em 500 estados em 1500 d.C., reduziu-se a um mínimo de 25 estados na década de 80 e, no momento em que escrevo esta frase, já é de novo constituída por cerca de 40. A Europa ainda tem 45 línguas, cada uma delas com o seu alfabeto modificado, e uma diversidade ainda maior. Os desacordos que ainda hoje continuam a frustrar até as mais modestas tentativas de unificação europeia através da Comunidade Económica Europeia (CEE) são sintomáticos do arreigado empenho da Europa na desunião.

Jared Diamond, Armas, Germes e Aço, Relógio d’Água Editores, 2002, página 447.
(destaques nossos)

E ainda hoje, em 2016, como se comprova pelo actual contexto político europeu, a Europa se empenha na desunião.

“União Europeia” soa, portanto, a ironia da história. Jamais resultará. É uma ideia peregrina. São utópicos os que defendem um aprofundamento da união política da Europa, uma comum federação. Afinal poderá um cão ser cavalo? Poderá uma Europa que sempre prosseguiu a desunião política – é essa a sua essência, desde que o Ocidente é Ocidente, desde o fim do Império Romano – converter-se em união política? Nada mais há de contranatura. Se algum dia a Europa se tornasse politicamente unida, então anular-se-ia enquanto tal. Deixaria de ser Europa para passar a ser outra coisa qualquer. Os que propugnam um aprofundamento político da União Europeia estão a opor-se a um movimento longo, com mais de um milénio. São Quixotes que investem contra moinhos de vento ou tentam parar o vento com as mãos.

Poderá haver união na diversidade? Paradoxalmente, essa parece ser a fórmula. Mas para isso, é preciso abandonar a ideia de uma união política da União Europeia, como se de um império sediado em Bruxelas se tratasse. Não há povo que o deseje, apenas os líderes de um eixo que ambiciona exercer a sua dominação sobre os demais.

sexta-feira, julho 04, 2014

O povo

«Olhando para trás, ao longo de oitocentos anos há aqui e ali um estadista íntegro, outro que é sábio e avisado, um jurista capaz e justo. Houve políticos de valor, homens de vistas largas e generosas. Alguns vice-reis voltaram da Índia mais pobres do que para lá tinham ido. Raras excepções. Mas nenhuns dos seus actos justificam a profusão de estátuas, nem as comemorações, nem os discursos bombásticos de ontem, de hoje ou amanhã. Nos oitocentos anos, mais que as virtudes isoladas ou as benfeitorias de um ou outro governante, avultam os crimes contra o povo

J. Rentes de Carvalho, Portugal, a Flor e a Foice, Quetzal, 2014, pág. 35. (o destaque é nosso)

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«O povo (conjunto organizado de cidadãos), que não se confunde com a multidão (conjunto caótico de indivíduos), é a instituição genética de toda a ordem política. É nele que se concentram as forças demiúrgicas da construção, reconstrução e reforma dos regimes políticos.» 

Viriato Soromenho-Marques, Portugal na Queda da Europa, Temas e Debates, 2014, pág. 283. (o destaque é nosso)


***

Dois excelentes livros, o de Rentes, em leitura, e o de Viriato, já lido. Rentes, dispara em todas as direcções, excepto na direcção do povo (pelo menos até à página 54, onde vou). Não me divertia tanto desde a leitura do livro de Martin Page, A Primeira Aldeia Global

Viriato, clarifica no trecho seleccionado, a distinção entre povo e multidão. Dois conceitos muitas vezes confundidos.

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Aqui, ama-se o povo - o português em particular - mas evita-se a multidão.

sábado, fevereiro 15, 2014

Três visões convergentes para Portugal


Caso o continente [europeu] continue impávido, a alternativa passa pela interdependência com outras identidades: a CPLP para a defesa e promoção da língua portuguesa no mundo nacional e internacional; os EUA para a inovação tecnológica, científica e universitária e para o futuro da racionalidade internacional da segurança; Brasil, Angola, Moçambique e China, entre outros países, para o restabelecimento das relações comerciais e financeiras suplementares ao espaço europeu. E, sobretudo, para carrear as peças para uma governança mundial.”

 José Medeiros Ferreira, Não há Mapa Cor-de-Rosa, A História (Mal)dita da Integração Europeia, Edições 70, 2013

É preciso uma política externa realista, guiada por uma estratégia nacional sem preconceitos nem ilusões, que leve em conta o factor de defesa e não esqueça os espaços lusófonos; e tal não é possível sem que se restaure a ideia do primado da Nação como valor político, como lugar das liberdades e direitos dos cidadãos e como elemento estrutural do desenvolvimento e da economia.

Num mundo globalizado e com uma cultura cosmopolita de movimento e mudança, os portugueses têm seculares vantagens competitivas: do cosmopolitismo, identificado por Pessoa como característica nacional, à capacidade de resposta aos grandes desafios, identificada por Jorge Dias.

Jaime Nogueira Pinto, Portugal, Ascensão e Queda, D. Quixote, 2013

E há duas janelas de liberdade que acho fundamentais. Uma é a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que é uma instituição única. Se reparar, a CPLP é toda constituída por países marítimos, pobres, e nenhum tem frota marítima. Neste momento, o transporte marítimo está a ter um desenvolvimento extraordinário. Se houver uma bandeira da CPLP e uma frota comum, nós somos capazes de a fazer. A outra janela de liberdade é a plataforma continental, que eu considero que tem perigos. A Comissão Europeia anunciou que vai definir o mar europeu. Estamos dependentes das nações unidas para a aprovação da plataforma continental, que é a maior do mundo. Sabemos a riqueza que lá está. Mas nada disto está no programa de qualquer partido. Estava previsto que a plataforma continental fosse aprovada em 2013, já foi adiada para 2015, receio que, com aquela minúcia burocrática, em vez de lerem 2015, leiam 2051. A plataforma continental é a janela de recuperação e independência de Portugal.”

Adriano Moreira, “Motivar o Diálogo” (entrevista), Montepio, Inverno 2013.

***

Nestas três visões convergentes, o futuro não passa pela Europa, nem por nenhum mapa cor-de-rosa de partilha colonial (ou seja, do regresso das velhas relações de dominação entre a Metrópole e o Ultramar; nem tal faria sentido). O Ultramar morreu e o sonho da Europa definha. Medeiros Ferreira bem nos lembra que “a União Europeia não precisa, nem tem, identidade e muito menos constitui um só povo” e da necessidade de “contractos políticos e jurídicos entre as suas partes constitutivas, cidadãos, povos e Estados”. Em suma, não deveríamos ter tanta pressa em evidenciar-nos como “bons alunos” face a poderes e instituições europeias não democráticas, que defendem interesses obscuros que não os da nossa pátria, e por que não dizê-lo, da nossa Nação. A salvaguarda dos interesses e da liberdade dos povos europeus deve ser assegurada por contractos bem firmados. É claro, existe uma ideia romântica de Europa, porém é a realidade que deve impor-se.

“Caso o continente continue impávido”, começa por dizer Medeiros Ferreira, ainda talvez esperançoso no despertar da nova Europa. Até agora a Europa não tem dado mostras desse despertar: pelo contrário, é o fantasma da velha Europa que se assoma. Não vale a pena então aguardar. O futuro não passa pela Europa, melhor, não passa exclusivamente, nem em grande parte, pela Europa. Não desperta a Europa, pois que despertemos nós! “A sociedade portuguesa tem de abandonar a atitude passiva que é a sua desde a entrada na Comunidade Europeia, em 1986” (Medeiros Ferreira, 2013: 136).

Da leitura das referidas obras dos autores supracitados ressalta a ideia de que, no estabelecimento de relações internacionais, não devemos colocar todos os ovos no mesmo cesto, ou seja, no cesto Europeu. Devemos diversificar as nossas relações internacionais, que devem ser de interdependência. Existem portanto outros caminhos:
  • O dos países da CPLP, em estreita interdependência e respeito mútuo, ultrapassados os velhos traumas coloniais e neocoloniais;
  • O dos países onde existem espaços de lusofonia (literalmente, onde o português soa), e por aqui temos, para além dos países da CPLP, outros países, não só europeus, como a França, a Suíça ou o Reino Unido, onde significativas comunidades de portugueses se avolumam, mas também nos países emergentes como a África do Sul; ou não sendo emergentes, a Venezuela, os EUA, entre outros.
  • O dos países com os quais temos relações ancestrais, como a China e a Índia, ou até a Indonésia, antigo inimigo e agora possível amigo;
  • O nosso mar e a nossa plataforma continental – a nossa relação com o mar;
  • E por que não, a criação de novos laços com países do Leste Europeu, como a Ucrânia, baseando-nos também na importante comunidade imigrante desse grande país presente no nosso;
  • Não devemos esquecer nunca a Espanha, ou as Espanhas, que assume sempre um papel de relevo por razões históricas e geográficas; tem sido uma verdadeira “compagnon de route”;
  • E claro, a União Europeia, mas neste caso, que existam relações contratualizadas entre “cidadãos, povos e Estados”, que salvaguardem os nossos interesses, a nossa soberania e a nossa independência e não o que temos agora.
Em suma, precisamos de lançar em várias direcções, novas “amarras” relacionais que nos liguem a estes espaços. Impõe-se a reconquista da soberania perdida.

quarta-feira, fevereiro 13, 2013

Estou a gostar de ler...


E de o cruzar com este aqui:


Dois pequenos grandes livros que nos ajudam a compreender a crise da Europa dos nossos dias. Tony Judt escreveu em 1996. O ensaio de Ulrich Beck é mais actual (2012). Entre os dois livros existem áreas de intersecção que apontam no mesmo sentido: o domínio da Europa pela Alemanha.

E a Europa que se prepare:

"A Europa e a sua juventude estão unidas na raiva por causa de uma política que salva bancos com quantidades de dinheiro inimagináveis, mas desperdiça o futuro da geração jovem."

Ulrich Beck (2012), A Europa Alemã, Edições 70. pp. 20 

"A crise, diz Gramsci, é o momento em que a velha ordem mundial morre e em que é necessário lutar por um mundo novo, contra resistências e contradições."

Ulrich Beck (2012), A Europa Alemã, Edições 70. pp. 26

A leitura continua.

Os velhos partidos prosseguem alheios à mudança que se adivinha e ao meio em rápida mutação que os envolve. Ainda jogam no tabuleiro da velha ordem. Continuam a actuar como se a sociedade que os enquadra tivesse os mesmos problemas, interesses e contradições de há dois ou mais anos atrás. Talvez quando acordarem, seja tarde demais*. 

Os velhos partidos já não dão resposta às aspirações da juventude, vítima das políticas que a conduziram até aqui. E "aqui" é o desemprego. A democracia representativa carece de democracia, está ferida, e não se dá conta. Os partidos do "arco da desgovernação" estão a cavar a sua própria sepultura e a da democracia também.

Entretanto, os políticos governantes, tudo fazem para que se "regresse aos mercados", não querendo reparar que dessa forma prosseguem a mesma lógica que nos lançou na dependência dos especuladores. E cada vez que "vão ao mercado", asseguram aos jovens um futuro ainda mais sombrio, de austeridade e dependência, um futuro sem futuro, um futuro colonizado, porque serão eles os convocados a pagar a dívida e os juros contraídos pela actual geração governante.

É por isso que é cada vez mais "necessário lutar por um mundo novo, contra resistências e contradições".
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(*) Como encarar, por exemplo, o ensimesmamento do PS, os seus conflitozinhos internos, enquanto o país se afunda na crise? Parecem actuar com a inconsciência daqueles que discutem a cor do bote salva-vidas a lançar ao mar, enquanto o navio se vai afundando.

Mas alguém pode esperar alguma coisa desta gente? Afinal não estão eles também entre os que nos conduziram até aqui? A esperança, se é que ainda há esperança, reside noutro lado. Tem de residir noutro lado.

domingo, dezembro 16, 2012

A elite cosmopolita e os intelectuais locais: o padrão “europeu”

Hoje em dia, em muitos aspectos, Bucareste pode parecer apenas parcial e vagamente europeia, mas precisamente por essa razão, e por causa das cada vez mais óbvias qualidades não-europeias da ruralidade romena remota, parte da sua intelligentsia, tal como a de Belgrado, sempre tentou associar-se ao Ocidente, em especial à França, como acto de desafio contra a natureza estranha do seu ambiente interno. O resultado tem sido, muitas vezes, o suscitar do hipernacionalismo entre outros intelectuais locais e afastar ainda mais a elite cosmopolita das massas populares. Também este é um padrão caracteristicamente «europeu».

Tony Judt, Uma Grande Ilusão? Um ensaio sobre a Europa. Edições 70. 2012 P. 65

Também nós tivemos os nossos estrangeirados - intelectuais cosmopolitas -, alguns repelidos pelo provincianismo local, outros, privilegiados, foram ver o mundo lá fora e regressaram, e tornaram-se tão ou mais provincianos que os ditos “provincianos”. Entre os repelidos temos Agostinho da Silva, José Saramago, Jorge de Sena, Eduardo Lourenço, etc. Foram rechaçados pelo nosso provincianismo e ficaram a olhar para nós, e por nós, lá de fora. Amavam e amam Portugal, mais do que os regressados. Destes, os que retornaram ao seio dos “indígenas” e que desprezam o país natal até às vísceras, nem vamos falar. E depois temos ainda os que sempre cá estiveram, os “provincianos” que sempre amaram o seu país e nem precisaram de ir mais além. Afinal sempre é possível ir a Índia e voltar, sem abandonar Portugal. Há quem considere estes verdadeiros patriotas, nacionalistas parolos…, mas sabemos que não é bem assim. 

sábado, dezembro 15, 2012

As fronteiras oscilantes da pobreza

         © AMCD

«Há, e sempre houve uma Europa rica e uma pobre, mas a fronteira que as divide tem mudado ao longo dos séculos. Ainda não há muito tempo, o litoral mediterrânico e o seu interior urbano, de Marselha até Istambul, contavam-se entre as regiões mais prósperas da Europa. Em contraste, as terras escandinavas foram pobres durante uma grande parte da sua história. Com algumas excepções notáveis, hoje é o contrário.»

Tony Judt, Uma Grande Ilusão? Um ensaio sobre a Europa. Edições 70. 2011. P. 62

***

Sempre estivemos no limite oscilante entre a pobreza e a riqueza. Mas, quase sempre, do lado da pobreza. Seja à escala europeia, aquela a que Tony Judt se refere, seja à escala mundial, a que Adriano Moreira se refere, na sua obra, Da Utopia à Fronteira da Pobreza. Já fomos os cafres da Europa, quando da Europa não éramos. Na verdade, estávamos no mundo ocupados, fora da Europa, e nos oceanos. Nela desembarcámos em 1986, após uma descolonização apressada (*). Por isso, muitas vezes dizemos que entrámos na Europa. E ao nela desembarcarmos, embarcámos numa utopia da qual vamos agora acordando. Afinal foi tudo um sonho.

Nós, os primeiros dos ocidentais a assomar às exóticas costas de África e aos distantes mares de Timor, retornámos acossados. Rapidamente voltámos à nossa prévia condição de cafres da Europa, mas agora pior, porque nela estamos, tendo perdido já essa liberdade de ser cafres livres onde bem quisermos. Mas nessa viagem, como em todas as viagens, também aprendemos algo. Talvez possamos ainda ensinar alguma coisa aos habitantes desta península da Ásia, que é a Europa, em particular, aos que por cá ficaram, ensimesmados, frios e calados como teutões.



(*) Afinal sempre estivemos numa espécie de jangada de pedra.

domingo, dezembro 11, 2011

Vaticínio

Arrisco! Amanhã, segunda-feira (12-12-2011), os mercados bolsistas, linha avançada das agências de notação, vão começar a metralhar as economias da zona euro. Vai abrir tudo no vermelho (ou então passar ao vermelho, depois de abrir no verde). Uma ofensiva esperada face ao ultimato da S&P, de que iria baixar as notações de mui nobres e poderosos países se não houvesse entendimento e decisões substanciais na cimeira. A desunião da União será vista como um sinal de fraqueza que os lobos financeiros irão tentar aproveitar. O rebanho está agora reunido - mas não unido -, com medo, e uma ovelha negra abandonou o redil (ou o redil será o Titanic e a ovelha negra um rato? Não são eles os primeiros a abandonar o navio?).


A guerra continua: mercados vs Eurozona: e adivinhem quem está na linha da frente. E quem está a ganhar?

Aguardemos! (Oremos?!)

sexta-feira, dezembro 09, 2011

A Europa está sem líderes?!

"A Europa está sem estratégia e sem líderes". (Mário Soares)

Sem líderes?!

Olha aqui o líder.

Ainda alguém tem dúvidas?

Goste-se ou não, é ela quem manda.

Perguntem ao Sarkozy ou ao Cameron (que não quis brincar e foi posto fora da roda).

Ou então perguntem ao Passos, ao Monti ou ao Rajoi.

Enfim, são uns meninos.

A desunião da União

A União Europeia encontra-se perante uma tensão dialéctica entre a velha Europa e a nova Europa. Enquanto não for resolvida esta tensão, o impasse persistirá. Enquanto a União Europeia não se libertar dos fantasmas da velha Europa, jamais será uma Europa nova.


***

A velha Europa assoma-se uma vez mais e, nestes momentos de crise, sussurra aos ouvidos dos europeus e acicata-lhes as consciências. Alguns líderes políticos como James Cameron acenam com o velho linguarejar do veto em nome da defesa dos interesses nacionais (na verdade interesses neoliberais), como se fosse necessário proclamá-lo em alta voz. Teme que o directório franco-teutónico, pela alteração dos tratados, forme uma espécie de Império Continental e a partir daí ameace os interesses britânicos. Voltam a soar mais fortes os clarins dos velhos nacionalismos - Deutschland, Deutschland über alles!”, "Rule, Britannia!", etc. – cantados pela velha Europa na sua cacofonia de línguas que a todos ensurdece e desentende. Instalou-se a desconfiança entre os povos. O som cadenciado das botas cardadas, marchando sob o Arco do Triunfo numa tarde de Junho ainda está presente. Na Europa somos todos estrangeiros, somos todos “outros” e é isso que nos separa. Se nos agarrarmos a isso então é melhor esquecer o projecto de união dos povos desavindos.

Encontramo-nos portanto à beira da desunião, para gáudio dos norte-americanos. Triste espectáculo! É só ligar a CNN e verificar como se comprazem diariamente em parodiar a vitória da velha Europa sobre a nova. Eles começam a acreditar, no seu íntimo, que a União Europeia jamais se converterá nos Estados Unidos da Europa. Os europeus não se entendem. Chegada a hora da verdade, mostram-se divididos e hesitam em dar o passo que poderia levar ao nascimento de uma nova Europa.

domingo, agosto 14, 2011

Sinais preocupantes na Europa

Existem sinais preocupantes na Europa. Manifestações de intolerância, fundadas no medo. Esses sinais vão desde o encerramento de fronteiras na Dinamarca e temporariamente, no Sul da Itália, até à intolerância por parte de fanáticos religiosos islâmicos que habitam em França e que querem impor a sua lei à sociedade que os acolheu e que os tolerou. Agricultores franceses atacam camiões espanhóis carregados de produtos agrícolas e os espanhóis não querem ver desempregados romenos no seu território (romenos em Espanha, só com contrato de trabalho, estudantes ou turistas). E os exemplos poderiam prosseguir.

A intolerância que cresce é causada pelo medo. E de que têm medo os europeus? (E o que é um europeu? Mas essa é outra questão.) Como é referido nesta interessante reportagem no New Tork Times, os europeus, no caso, holandeses, temem o Islão, como se fosse uma religião monolítica; o terrorismo; a globalização; o desemprego; a crescente influência dos burocratas da União Europeia de Bruxelas; a austeridade; os perigos para euro devido à dívida grega, portuguesa, irlandesa, espanhola e agora italiana; e a criminalidade juvenil especialmente entre os jovens imigrantes.

É medo a mais e do medo nunca nasceu coisa boa.

Os acontecimentos deste Verão, na Noruega, no Reino Unido, na Itália e noutros lugares desta Europa terão repercussões. É uma questão de tempo e já se sente qualquer coisa no ar.

quarta-feira, março 09, 2011

Lampedusa


***
Adenda
Dirão: não é Lampedusa, é um barco cheio de imigrantes clandestinos. Lampedusa é uma pequena ilha no meio do mar Mediterrâneo.
Não, direi eu! Lampedusa é um barco cheio de imigrantes clandestinos (ou refugiados se quiserem), no meio do mar Mediterrâneo.
Esta fotografia é, toda ela, uma metáfora.

sábado, março 24, 2007

Há uma única maneira convincente de fazer o elogio da Europa: é falar da sua cultura.

Folco Quilici

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