Tudo começou quando se cantava uma
Nova Ordem Mundial no rescaldo da antiga (com a derrota da URSS no Afeganistão e
o seu fim, surpreendente, na época). Seguiu-se, breve, uma nova ordem unipolar dominada
pela hiperpotência americana. A América era grande outra vez. Essa nova ordem foi
uma ordem de novas guerras e rebeliões em países aparentemente distantes da
Europa, mas não tão distantes quanto isso. Durante os conflitos, potentes meios
de comunicação globais não deixavam de mostrar as imagens dos infernos
terrestres (tivemos bombardeamentos em directo comentados com todo o
profissionalismo) e imagens dos paraísos terrestres, chegando tais imagens aos
quintos dos infernos terrestres. E os que viviam no inferno dos conflitos, e os
que podiam, rapidamente de lá queriam sair, legitimamente ou ilegitimamente. E
saíam. E para onde rumar, mesmo com risco de vida, se não para os paraísos
terrestres mais próximos.
Carontes bem pagos ajudavam à travessia
agora inversa, do Hades ao Éden, das terras dos mortos para as terras dos
vivos, terras prometidas de vida farta e plena. Então os novos bárbaros começaram
a chegar, ousando atravessar desertos e fossos dantescos, mediterrânicos. Os
novos bárbaros serão os novos europeus (lê-se numa revista), pois claro (afinal
os velhos europeus – nós - também não fomos já velhos bárbaros?).
***
Schengen rebentou como uma
barragem prenhe de água até não poder mais. O descontrolo instalou-se nas
fronteiras externas da “União” e depois nas fronteiras internas. Rios de
imigrantes e refugiados começaram a penetrar os caminhos da Europa em direção
ao Norte. A figura do imigrante clandestino, ilegal, desapareceu. Eram todos
refugiados. Um governo socialista francês fechou os olhos à construção de uma
cidade de barracas num extremo do seu território, frente à fossa mais estreita
e menos profunda, e por isso mais transponível, do Canal da Mancha. Formou-se então
essa enorme “selva” de habitações precárias – uma “selva” em plena Europa
continental, frente a esse outro paraíso mais paradisíaco, aos olhos de quem
procura, não refúgio, mas outra coisa qualquer, que é a Grã-Bretanha. Na
verdade, aqueles refugiados de Nord-Pas-de-Calais, já não fugiam da guerra, não
procuravam refúgio, procuravam sim outra coisa. Pois afinal no paraíso francês
não havia guerra, não é verdade? Então o que procuravam aqueles refugiados?
Não haviam alcançado já a paz nas terras de França? Não se encontravam já distantes
dos infernos terrestres? A constituição da “Selva” em Nord-Pas-de-Calais teve
um efeito desconfortável no subconsciente de muitos dos que viviam além Mancha.
Afinal, meu Deus, meu Deus, o que vinha aí. Epílogo: Venceu o Brexit! O Reino
Unido, desunido, abandona o barco Europeu, qual escaler lançado ao mar em
momento de aflição ou invasão, quando o grande navio já mete água por todo o lado.
***
Meses depois, do outro lado do
Atlântico, vence um Trump. Um grosseiro. Outro rombo no casco do navio
Ocidental.
O Euro afunda-se agora face ao
dólar, na iminência de uma subida das taxas de juro diretoras americanas e a
Itália ameaça uma evasão da zona Euro, aprofundando mais ainda a eterna crise
do Euro. Crise que só terminará, diga-se de passagem, com o fim do Euro. Em
suma: o Euro é a crise.
Por tudo isto são por isso agora
mais sonoros os brados dos profetas da desgraça e das cassandras, anunciando o
fim do Euro e a derrocada do projeto Europeu. O fim de um mundo que se queria
novo e o começo de um novo mundo que afinal é o velho.
The times are changing.
Mas o vento que por aqui sopra, nem cheira bem, nem está de feição.
Mas o vento que por aqui sopra, nem cheira bem, nem está de feição.
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