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domingo, julho 19, 2009

Memória Esquecida

«O que é significativo na época de transformação actual é a singular despreocupação com que abandonámos não só as prácticas do passado - isso é bastante normal, e não tão alarmante - mas a sua própria memória. Um mundo que mal acabámos de perder já está meio esquecido.» (pág. 17)

(...)

«Em muitos países, "pôr o passado para trás" - ou seja, concordar em superar ou esquecer (ou negar) uma memória recente de extermínio mútuo e violência intercomunitária - foi um objectivo primordial dos governos do pós-guerra: às vezes conseguido, às vezes demasiado conseguido.» (pág. 18)

(...)

«Mas mesmo na Europa uma nova geração de cidadãos e políticos está cada vez mais esquecida da história: ironicamente, é o que acontece em especial nos países ex-comunistas da Europa Central, onde "construir o capitalismo" e "tornar-se rico" são as novas metas colectivas, enquanto a democracia é tida por garantida e até encarada em alguns quadrantes como um estorvo.» (pág. 31)

Tony Judt, O Século XX Esquecido - Lugares e Memórias, Edições 70

terça-feira, junho 03, 2008

O desvanecimento da memória, mais uma vez

Por aqui têm desfilado personalidades de vulto, mestres, que nos avivam a memória para o facto de que vivemos actualmente um grande paradoxo: é exactamente no momento em que mais proliferam os suportes mediáticos da memória, que o passado, em particular o mais recente, “o passado público” da época em que vivemos, se obscurece na memória dos homens, principalmente, na dos homens jovens. Vivemos numa espécie de “presente contínuo”, à deriva, sem qualquer vinculação à experiência vivida pelas gerações passadas.

Senhoras e Senhores, Eric Hobsbaw:

A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam a nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenómenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milénio. Porém, por esse mesmo motivo, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores, embora essa seja também uma função necessária do historiador.

Hobsbawm, Eric, A Era dos Extremos, Editorial Presença, 1996, Pág. 15.

domingo, abril 27, 2008

A rejeição da memória no sistema escolar

George Steiner ergue também a sua voz contra a rejeição da memória no sistema escolar. A memória é basilar relativamente aos processos de aquisição de conhecimento, suportando-os ou operando transversalmente aos mesmos: não existe conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese e avaliação (os níveis cognitivos da taxonomia de Bloom), sem que a memória esteja presente em todos estes processos.

Steiner é elucidativo, quando defende a memória, ao ponto de a colocar ao serviço da liberdade e integridade do nosso ser:

O texto memorizado interage com a nossa existência temporal, modificando as nossas experiências e sendo dialecticamente modificado por elas. Quanto mais vigoroso for o músculo da memória, melhor protegido estará o nosso ser integral. O censor ou a polícia do estado não podem extirpar o poema memorizado (veja-se a sobrevivência dos poemas de Mandelstam através da transmissão oral, na impossibilidade de uma versão escrita). Nos campos de morte, certos rabinos e estudiosos do Talmude eram conhecidos como «livros vivos» cujas páginas podiam ser «consultadas» por outros prisioneiros em busca de um conselho ou de uma palavra de consolo. A grande literatura épica, a dos mitos fundadores, começou a declinar com o «progresso» em direcção à escrita. Por tudo isto, a rejeição da memória no actual sistema escolar é de uma flagrante estupidez. A consciência humana está a menosprezar e a ignorar o seu lastro vital.

Steiner, George (2003), As Lições dos Mestres, Gradiva, Lisboa, pág.35.

sábado, abril 26, 2008

A desconstrução da memória pela abolição da memorização

Com a abolição da memorização do ensino, os reformadores acabaram por atirar fora a "água da banheira com o bébé lá dentro". Muito do que era memorizado no ensino tradicional, concordamos, pouco valor prático tinha, como por exemplo, conhecer todas as estações de comboio e apeadeiros, contudo passou-se do 80 para o 8. O resultado destas reformas faz-se sentir na qualidade do ensino, que perde rigor, e na qualidade da aprendizagem, que perde profundidade. Queixa-se também do facto o professor Shwanitz entre outros professores. É uma evidência notada por muitos académicos, esses que frequentam os mares onde vão desaguar os rios de alunos vindos dos níveis inferiores.
Refere Shwanitz:

A grande narrativa da nossa História é o esqueleto em que inserimos todos os outros conhecimentos: o nosso saber cultural encontra-se ordenado por critérios históricos, e não sistemáticos. E esta esquematização da História opera através da cronologia. Por tudo isto, é necessário termos uma ideia aproximada do esqueleto temporal.

Para tal, temos de esquecer a imbecilidade com que os reformadores do ensino entrecortaram a ordem cronológica enquanto fio condutor do ensino da História, tendo-a substituído por escombros desconexos como unidades de ensino sobre «o castelo medieval» ou «o cultivo de arroz no Vietname». Ao protestar-se contra a memorização de datas deu-se a conhecer a perda definitiva do juízo: as datas não são simples números, mas pontos de referência no espaço e no tempo, marcações para o ordenamento de períodos, bóias no mar de acontecimentos, placas de sinalização iluminadas na noite que desde já ordenam a caminhada da História. Quem se envolve em polémicas contra a cronologia é tão maluco como alguém que faça da abolição das tábuas das estantes para livros a tarefa da sua vida. No entanto foi precisamente isso que os reformadores do ensino fizeram. Deste modo, os alunos perderam em grande medida o sentido para a História, nunca tendo adquirido a sensibilidade para a «índole temporal» da História.

Schwanitz, Dietrich, CulturaTudo o que é preciso saber, Dom Quixote, 4ª edição. Lisboa, 2005, página 31.
Então, em relação ao 25 de Abril e ao desconhecimento de alguns jovens dos detalhes dos factos, em que ficamos? É verdade que os jovens poderiam e deveriam estar mais informados acerca dos detalhes dos factos, e talvez a maioria só venha a saber o que realmente a liberdade é, se esta um dia, por infelicidade, lhes for retirada, dado que vivem nela, porém muitos, estamos certos, acompanham os esforços dos mais velhos que tiveram de lutar pela liberdade e indagam-se no seu íntimo, acerca das razões de tanta comemoração, procurando respostas. Porque a curiosidade faz parte da sua natureza.
Mas o tempo encarregar-se-á do esquecimento, mesmo contra a vontade dos homens.
Mas então nessa altura, teremos vivido.
*****
Voltarei à questão da importância da memória na Educação. E trarei Steiner comigo. Até breve.

sexta-feira, abril 25, 2008

A falência da memória, mais uma vez

Surpreendem-se porque os jovens desconhecem o passado, em particular o que nos é mais próximo?! A falência da memória é um dos problemas mais diagnosticados nos sistemas educativos dos países ocidentais. Não é um problema da História, mas da desvalorização da memória e da memorização enquanto processo de ensino e de aprendizagem. Não existe educação sem memória. A História, a Geografia e outras ciências sociais fundamentais na formação do Homem, têm sido progressivamente remetidas para as margens dos currículos, cada vez mais preenchidos por “tralha pedagógica”, como as áreas curriculares não disciplinares. O jovem estudante superprotegido, super mimado nas sociedades ocidentais (talvez porque a população esteja a envelhecer e os jovens escasseiem, quem sabe), tem de ser acompanhado no seu estudo, qual aleijado mental, através de um Estudo Acompanhado. Antes vigorava o estudo desacompanhado. O jovem tinha de aprender por si próprio a ser autónomo, responsável e disciplinado nos seus hábitos, facto que não obscurecia necessariamente a sua salutar irreverência.

A Área de Projecto, outra novidade introduzida nos currículos, talvez por aqueles que saltitam de contentes, cada vez que ouvem no ar a palavra “projecto”, encontra-se à margem das disciplinas, contra as intenções iniciais de quem a criou (é uma área não disciplinar e não poderia acabar de outra forma). Os projectos a realizar deveriam ocorrer dentro de cada área do conhecimento ou no seio de cada disciplina, se assim conviesse, ou de acordo com as aspirações de professores e alunos – nunca numa Área de Projecto imposta. As disciplinas, na verdade, já são projectos em si que visam a formação dos alunos. E esse é o verdadeiro projecto.

Mas a falência da memória não é a falência da História, é a falência de uma sociedade e de uma cultura que não soube organizar-se para educar os seus jovens.

sábado, janeiro 05, 2008

Sobre o uso de máquinas calculadoras no ensino de crianças

A memória é como um músculo. Se não for exercitada mirra, perde qualidades. A memória é a base de outros processos de raciocínio mais complexos. No entanto, alguns educadores e decisores parecem não ter compreendido e continuam a desvalorizá-la. Como a memorização foi levada longe demais por um ensino tradicional, que hoje se considera caduco, mesmo por aqueles que se alcandoraram em elevadas posições na nossa sociedade, educados pelo mesmo sistema de ensino que hoje abominam, as novas correntes de pensamento pedagógico, os novos pedagogos, resolveram erradicá-la das aprendizagens. Memorizar para eles, é anti-pegagógico.
As consequências podem ver-se à vista desarmada: produziu-se uma sociedade sem memória. As memórias estão nos filmes e nos documentários de um passado recente, mas não na cabeça dos homens, que não os vêem, e muito menos os discutem. Arruma-se a memória nos suportes virtuais da memória. Assim, o fantasma do totalitarismo abeira-se da democracia, quase sem ser notado.

Os nossos alunos vão agora poder utilizar a calculadora, nos primeiros anos de escolaridade, desprezando-se dessa forma a exercitação da memória, e por essa via, de todos os outros processos de raciocínio mais complexos.

Deviam memorizar a tabuada. Deviam memorizar poemas. Deviam memorizar regras gramaticais. Deviam memorizar cronologias, importantes referências no tempo histórico, como são os mapas que nos guiam no espaço geográfico. Deviam memorizar conceitos fundamentais para a construção do edifício do conhecimento.

Mas pelo contrário, fomenta-se uma educação e um ensino de triste memória. Assim vai o ensino nestes tempos demóticos.

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