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terça-feira, abril 16, 2013

O essencialismo de Platão


«Para Platão, a «realidade» que julgamos ver não passa de sombras projectadas na parede da nossa caverna pela luz trémula de uma fogueira. Tal como outros pensadores da Antiguidade grega, Platão era no fundo um geómetra. Cada triângulo desenhado na areia é apenas uma sombra imperfeita da verdadeira essência do triângulo. As linhas do triângulo essencial são linhas euclidianas puras com comprimento, mas sem largura, linhas definidas como infinitamente finas e que nunca se encontram caso sejam paralelas. A soma dos ângulos do triângulo essencial equivale exactamente a dois ângulos rectos, nem um picossegundo de arco a menos ou a mais. Mas isto não é verdade para um triângulo desenhado na areia: o triângulo na areia, para Platão, é apenas uma sombra instável do ideal, o triângulo essencial.

A Biologia, para Mayr, é afectada por uma versão particular de essencialismo. O essencialismo biológico trata tapires e coelhos, pangolins e dromedários, como se fossem triângulos, losangos, parábolas ou dodecaedros. Os coelhos que vemos são meras sombras da ideia «perfeita» de coelho, o ideal, essencial, platónico, pairando algures no espaço conceptual junto com todas as formas geométricas perfeitas. Os coelhos de carne e osso podem variar, mas as suas variações são sempre vistas como desvios imperfeitos da essência ideal do coelho.

Que quadro tão desesperadamente antievolucionista! O platónico encara qualquer mudança nos coelhos como um afastamento inconveniente ao coelho essencial, e haverá sempre resistência à mudança - como se todos os coelhos reais estivessem suspensos de um elástico invisível, preso ao Coelho Celeste Essencial.»


Richard Dawkins, O Espectáculo da Vida, Casa das Letras, 2009, pág. 32.

***

Continuamos a viver à sombra das ideias de Platão, o pai da Filosofia. Valorizamos a perfeição, por exemplo, esse estado para o qual se tende, mas que nunca se alcança,  porque a perfeição não é coisa deste mundo. E continuamos a considerar a realidade e o hipertexto - a matriz subjacente (Matrix, o filme, é platónico nesse sentido). A alegoria da caverna, mil e uma vezes recontada. Nada parece o que é, nada é o que parece.

Fui ver o filme de ficção científica recém estreado, Oblivion (Esquecido), e lá estava Platão: o protagonista vivia num mundo de sombras que tomava por realidade, iludido, até que se fez luz. E a luz não trouxe nada de bom...

Mas nada nos garante, platonicamente, que essa luz ofuscante que se toma por verdadeira realidade, não seja ela também uma espécie de sombra doutra luz ainda mais intensa e assim sucessivamente, ad infinitum. Como se a realidade nos fugisse, sempre que a tentamos alcançar. Como a perfeição.

Não admira, portanto, que tal filosofia tenha encaixado tão bem na doutrina cristã de Deus.

Tantos anos volvidos e o fundador da Academia ainda brilha, para mal e para bem dos nossos pecados.

quarta-feira, agosto 31, 2011

Top 10 dos factos reais mais deprimentes e como ficar feliz com os mesmos

Aproxima-se o momento das melancolias profundas. Afinal, no nosso hemisfério, os dias estão cada vez mais pequenos e, em breve, o Sol estará mais tempo abaixo do horizonte do que acima. Muitos, talvez a maior parte, regressam ao trabalho após as merecidas férias e começarão a sua luta quotidiana pela sobrevivência num ambiente cada vez mais hostil e competitivo. Pois bem. Abaixo listam-se dez factos verdadeiramente deprimentes, que poderão ser superados com felicidade se forem encarados da forma que se indica aqui: The Richard Dawkins Foundation - Discussions. Eis os dez factos deprimentes:

  1. Vamos todos morrer e não há nada que possamos fazer quanto a isso.
  2. Basicamente somos todos vassalos do nosso DNA.
  3. Não estamos sós (no universo), contudo estamos sós.
  4. Muito provavelmente não seremos milionários.
  5. As doenças são cada vez mais inteligentes.
  6. Existem demasiados estúpidos no mundo.
  7. O fim do mundo está próximo.
  8. Um meteorito pode atingir-nos a qualquer momento.
  9. As minhas crianças serão meio robôs.
  10. [A acrescentar pelo leitor – Não esquecer a resolução].

Reprodução e imortalidade

Li em tempos, não sei bem onde, talvez de Richard Dawkins, que nesta vida os vencedores são os que procriam. Sempre acreditei que a procriação poderia estar ligada, de alguma forma, à imortalidade. Afinal, são muitos os exemplos das espécies que, antes de morrer, gastam toda a energia vital na procriação. Os salmões por exemplo, a última coisa que fazem é subir um curso de água e desovar, ou seja, só morrem descansados após verem assegurada a sua descendência. Existem poucos casos, segundo sei, de salmões que tornam a descer o curso de água até ao mar. A maioria morre após a desova.

Ora bem, hoje este mito pessoal, da imortalidade associada à reprodução, foi desmontado pela leitura do seguinte trecho da obra do próprio Dawkins, O Gene Egoísta:

"A Rainha Isabel II descende directamente de Guilherme-o-Conquistador. Contudo é bastante provável que ela não possua nem um dos genes do velho rei. Não devemos procurar a imortalidade na reprodução.

Mas, ao contribuir para o património cultural do mundo, tendo uma boa ideia, compondo uma melodia, inventando uma vela de ignição, escrevendo um poema, isso poderá sobreviver, intacto, até muito tempo depois de os seus genes se terem dissolvido no pool comum."

Richard Dawkins, O Gene Egoísta, Gradiva, 2003, pág. 272

Assim sendo, os que procriam não são necessariamente os vencedores. Na realidade, os vencedores, na história de Dawkins, são os genes, quando conseguem replicar-se ao longo de milhões de anos.

sábado, novembro 17, 2007

The God Delusion*

Dawkins, como qualquer ateu, crê "piamente" na inexistência de Deus. Um crente, qualquer crente, crê piamente na existência de Deus.
É certo que não se pode - pelo menos nenhum ser humano até agora o conseguiu - provar cientificamente a existência de Deus. Mas, da mesma forma, também ninguém pode provar científicamente, a inexistência de Deus.
São na verdade questões de fé, mas de pólos opostos. Não se podem provar. Qualquer ateu não pode provar a inexistência de Deus, da mesma forma que não pode provar a Sua existência. Qualquer crente não pode provar a existência de Deus. Apenas acredita. Tem fé. E se o crente tem fé na existência divina, o ateu tem fé na sua inexistência.
A questão na verdade é antiga, muito antiga. E muito séria, pois as nossas crenças acerca do que existe para além dos limites da vida, afectam directamente a forma como vivemos aquém desses limites.
Miguel de Unamuno aborda esta questão no sua obra Do Sentimento Trágico da Vida, onde confronta filosoficamente a fé com a razão. Miguel de Unamuno recusa-se a acreditar que a existência é apenas um relâmpago entre duas eternidades de trevas. Nesse caso não há nada mais execrável do que a existência, diz ele.
Estou com Unamuno quando afirma que "a razão e a fé são duas inimigas que não podem manter-se uma sem a outra" e também que, "a razão não nos prova que Deus exista, mas também não prova que não possa existir".
E partilho o seu sentimento quando afirma que "há que sentir e comportarmo-nos como se nos estivesse reservada uma continuação sem fim da nossa vida terrena depois da morte; e, se é o nada que nos está reservado, não fazer que isto seja uma justiça, segundo a frase de Obermann".
Dawkins, não deve ter lido Miguel de Unamuno. Pelo menos não consta da bibliografia da obra em causa. Julga que o saber ou o conhecimento humano acerca do Universo e da Vida já é suficientemente sólido e vasto, para sustentar essa "evidência" da inexistência de Deus. Acaba por cair no erro em que caem certos "sábios" - a falta de humildade. Consideram grande o campo do conhecimento já desbravado pela ciência. Tão grande, julgam, que nos podemos comparar com deuses e dispor da vida e da morte, e do Universo inteiro. Parecem ignorar o ilimitado campo do saber ainda por desbravar. Ignoram que, por muito que se saiba, nada se sabe. Só sei que nada sei, disse Sócrates. E disse bem. Estes novos sábios, ébrios com os novos saberes alcançados pela ciência, tomam a atitude oposta - pensam que tudo sabem, sem nada saberem, ou sabendo muito pouco.

(*) - Título original da obra de Richard Dawkins, A Desilusão de Deus, editada em Portugal pela Casa das Letras.

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