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domingo, outubro 27, 2019

Uma paródia britânica: a crise das democracias


No Reino Unido verifica-se um estranho caso de incompatibilidade entre duas formas de democracia: a directa e a representativa. O que foi decidido em 2016 através da democracia directa, pelo voto popular, está a ser contrariado, de alguma forma, desde então, pela democracia representativa, que utiliza todo o tipo de expedientes e pretextos para entravar o que foi decidido em referendo. Somos levados a crer que a vontade do povo e a vontade dos seus representantes, que têm assento no Parlamento, não é a mesma. Se assim é, parece que a solução lógica residiria na escolha de outros representantes. Mas desde 2016 já muita água passou sob as pontes e por isso nada nos garante agora que a vontade do povo seja a mesma. Daqui decorre que uma eleição para o Parlamento Britânico pode não solucionar coisa nenhuma. A paródia britânica prossegue.

sábado, novembro 19, 2016

The Times They are a Changing. Really?! A Nova Ordem Trumpeana

Tudo começou quando se cantava uma Nova Ordem Mundial no rescaldo da antiga (com a derrota da URSS no Afeganistão e o seu fim, surpreendente, na época). Seguiu-se, breve, uma nova ordem unipolar dominada pela hiperpotência americana. A América era grande outra vez. Essa nova ordem foi uma ordem de novas guerras e rebeliões em países aparentemente distantes da Europa, mas não tão distantes quanto isso. Durante os conflitos, potentes meios de comunicação globais não deixavam de mostrar as imagens dos infernos terrestres (tivemos bombardeamentos em directo comentados com todo o profissionalismo) e imagens dos paraísos terrestres, chegando tais imagens aos quintos dos infernos terrestres. E os que viviam no inferno dos conflitos, e os que podiam, rapidamente de lá queriam sair, legitimamente ou ilegitimamente. E saíam. E para onde rumar, mesmo com risco de vida, se não para os paraísos terrestres mais próximos.

Carontes bem pagos ajudavam à travessia agora inversa, do Hades ao Éden, das terras dos mortos para as terras dos vivos, terras prometidas de vida farta e plena. Então os novos bárbaros começaram a chegar, ousando atravessar desertos e fossos dantescos, mediterrânicos. Os novos bárbaros serão os novos europeus (lê-se numa revista), pois claro (afinal os velhos europeus – nós - também não fomos  já velhos bárbaros?).

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Schengen rebentou como uma barragem prenhe de água até não poder mais. O descontrolo instalou-se nas fronteiras externas da “União” e depois nas fronteiras internas. Rios de imigrantes e refugiados começaram a penetrar os caminhos da Europa em direção ao Norte. A figura do imigrante clandestino, ilegal, desapareceu. Eram todos refugiados. Um governo socialista francês fechou os olhos à construção de uma cidade de barracas num extremo do seu território, frente à fossa mais estreita e menos profunda, e por isso mais transponível, do Canal da Mancha. Formou-se então essa enorme “selva” de habitações precárias – uma “selva” em plena Europa continental, frente a esse outro paraíso mais paradisíaco, aos olhos de quem procura, não refúgio, mas outra coisa qualquer, que é a Grã-Bretanha. Na verdade, aqueles refugiados de Nord-Pas-de-Calais, já não fugiam da guerra, não procuravam refúgio, procuravam sim outra coisa. Pois afinal no paraíso francês não havia guerra, não é verdade? Então o que procuravam aqueles refugiados? Não haviam alcançado já a paz nas terras de França? Não se encontravam já distantes dos infernos terrestres? A constituição da “Selva” em Nord-Pas-de-Calais teve um efeito desconfortável no subconsciente de muitos dos que viviam além Mancha. Afinal, meu Deus, meu Deus, o que vinha aí. Epílogo: Venceu o Brexit! O Reino Unido, desunido, abandona o barco Europeu, qual escaler lançado ao mar em momento de aflição ou invasão, quando o grande navio já mete água por todo o lado.

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Meses depois, do outro lado do Atlântico, vence um Trump. Um grosseiro. Outro rombo no casco do navio Ocidental.

O Euro afunda-se agora face ao dólar, na iminência de uma subida das taxas de juro diretoras americanas e a Itália ameaça uma evasão da zona Euro, aprofundando mais ainda a eterna crise do Euro. Crise que só terminará, diga-se de passagem, com o fim do Euro. Em suma: o Euro é a crise.

Por tudo isto são por isso agora mais sonoros os brados dos profetas da desgraça e das cassandras, anunciando o fim do Euro e a derrocada do projeto Europeu. O fim de um mundo que se queria novo e o começo de um novo mundo que afinal é o velho.

The times are changing.

Mas o vento que por aqui sopra, nem cheira bem, nem está de feição.

 Eis a nova ordem trumpeana.

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sábado, julho 09, 2016

A farsa

Hegel says somewhere that all great historic facts and personages recur twice. He forgot to add: “Once as tragedy, and again as farce.”

Karl Marx (1852) , The Eighteenth Brumaire of Louis Napoleon, Dodo Press, 2009.

Na ausência de um líder desejado que os comande nestes tempos conturbados – os putativos debandaram – os britânicos, na sua demanda por um líder novo, voltam-se agora para as suas referências de líderes fortes em tempos difíceis. E o exemplo mais próximo que parecem ter é o de Margaret Thatcher, a “Dama de Ferro”, que ganhou guerras distantes e próximas, contra a Argentina e contra os sindicatos dos mineiros do carvão, respectivamente. E vai daí, o Partido Conservador apurou agora duas tories que parecem ser a encarnação da Dama de Ferro, pelo menos na sua postura, determinação e expressão. Theresa May mais do que Andrea Leadsom. Mas esta, aparentemente mais dócil, não deixa de ser uma mulher forte e determinada. A comprovar este zeitgeist sebastiânico, os jornais britânicos colocam na primeira página parangonas que associam as duas candidatas tory à Dama de Ferro.



Mas os britânicos podem estar a cair num erro histórico muito comum. Como salientou Marx, os factos e os grandes personagens da história ocorrem primeiro enquanto tragédia e depois enquanto farsa. Margaret Thatcher só houve uma e já morreu, tal como Dom Sebastião. O que vier a seguir de mais parecido não passará de uma cópia ou de uma imitação barata. Em suma: uma farsa.

sábado, julho 02, 2016

É a geografia, estúpido

Do dia 23 para o dia 24 de Junho o mundo mudou, e a tal ponto mudou que os livros de Geografia terão de ser reescritos e os mapas políticos redesenhados. A União Europeia perdeu um país, mas poderão surgir outros na Europa, e o Reino Unido enfrenta forças centrífugas e forças externas  - as da globalização - que o poderão levar à desagregação.

Mas afinal o que se passou?

Um referendo cujo resultado, claríssimo, determina a saída do Reino Unido da União Europeia. O problema não se encontra, portanto, no resultado do referendo. O problema reside na distribuição geográfica dos resultados. Se o número de votos tivesse sido exactamente o mesmo, mas com uma distribuição geográfica diferente, e revelasse idênticas divisões em todas as nações do Reino Unido, tal como a que se verifica em Inglaterra, então não se colocaria o embaraço que agora se coloca.

O embaraço reside na geografia dos votos, na distribuição dos resultados. Estes mostram uma Inglaterra dividida e uma Escócia unida (o mesmo se poderá afirmar em relação à Irlanda do Norte, também ela unida). 

Fonte: The Guardian 

Um país dividido é um país enfraquecido (virtus unita fortius agit) e o Reino Unido, enquanto tal, encontra-se dividido, enfraquecido e com lideranças contestadas ou em debandada. O país navega agora em águas desconhecidas sem um capitão que o possa comandar, procurando desesperadamente, entre os seus tripulantes amotinados, alguém que possa assumir esse papel. Ora qualquer país nestas condições, quando sujeito a um choque, interno ou externo, corre sempre o risco de se esboroar.

terça-feira, junho 28, 2016

Brexit: qual é a pressa?

O Reino Unido protela a activação do artigo 50.º do Tratado de Lisboa. Seria bom que o fizesse depressa. Mas afinal, qual é a pressa?

A pressa chama-se “juros da dívida” ou dito de outra forma, “government bonds”. Quanto mais tempo a incerteza pairar, maior será a tendência para que os juros das dívidas soberanas subam, com destaque para os países do Sul da U.E. entre os quais o nosso. Se assim for, adivinhe quem vai pagar?

A City foi o primeiro district da Grande Londres, e um dos primeiros do Reino Unido, na noite de 23 de Junho, a declarar “remain”. A City perdeu. Os mercados responderam à afronta, descendo o “rating” da dívida soberana do reino, afundando a libra, baixando as cotações dos bancos ingleses (e não só) e subindo os juros da dívida soberana (do Reino Unido e não só), mas a procissão ainda vai no adro. 

domingo, junho 26, 2016

Sobre o brexit

Os cidadãos britânicos decidiram mal. A democracia directa tem destas coisas. Com o brexit poderão ter desencadeado o princípio do fim de um reino que encerra quatro nações e quiçá o princípio da desunião europeia. O júbilo dos xenófobos, dos populistas, dos separatistas, dos racistas e dos fascistas é a prova simples de que se tratou de uma má decisão. Rejubila Farage, rejubila Trump, rejubila Le Pen, rejubila Wilders, rejubila Erdogan, e até  Jirinóvsky rejubila, lá do alto do assento que tem na Duma. Também já se agitam os separatistas ou independentistas, da Escócia à Catalunha, do País Basco à Lombardia, e em muitos outros lugares, na mira da criação de novos Estados que pretendem governar. É a balcanização da Europa Ocidental que se prenuncia.


Afinal, a globalização que defendiam começa e termina na livre circulação do capital e das mercadorias. A livre circulação do trabalho e dos trabalhadores já lhes causa comichão. Pretendem agora erguer muralhas, muros, barreiras e vedações para travar os que pretendem circular na demanda de uma nova vida, longe da guerra e da fome.

Voltamos ao tempo do proteccionismo, ao tempo em que os países se fecham sobre si mesmos, ao tempo dos bárbaros às nossas portas, ao tempo dos pequenos países que ameaçam surgir por todo o lado como pequenos reinos medievais, ao tempo do medo. Tudo isto cheira, na verdade, a início de Idade Média ou ao fim do Império. Àquele tempo em que os cidadãos abandonaram em debandada as cidades e se encerraram atrás de muralhas, porque tudo mudou inesperadamente. Os bárbaros vinham aí.

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