Mostrar mensagens com a etiqueta Thomas Friedman. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Thomas Friedman. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, junho 07, 2017

Sobre bombas e cacetadas

Thomas Friedman
Thomas Friedman deve ser mesmo um bom opinion maker, pois muitos são os seus artigos de opinião no New York Times que ficam na memória ou na retina de quem os lê, e após uma só leitura. Um artigo que retive foi o das "nossas três bombas". De acordo com Thomas Friedman são três as bombas que a qualquer momento podem deflagrar e desestabilizar a nossa realidade: a bomba nuclear, a bomba da dívida e a bomba climática. O artigo é este: “Our Three Bombs”, New York Times, 7/10/2009

Desde que li o artigo em 2009, as bombas de Friedman nunca mais me saíram da cabeça. Inspirado por ele, reformulo aqui a lista de "bombas" que nos ameaçam, e são mais do que três, embora algumas, em parte, se possam sobrepor .

 Em primeiro lugar as três bombas de Friedman:

1.     A bomba da ameaça nuclear (a Guerra Fria terminou mas as bombas ainda existem assim como a ameaça da proliferação nuclear).
2.    A bomba da dívida (uma bomba com repercussões económicas e financeiras, também ela devastadora de vidas).
3.     A bomba climática (desencadeada pelo incremento do efeito de estufa com todas as suas consequências).

Às bombas de Friedman acrescento as seguintes (com algum risco de sobreposição parcial):

4.       A bomba demográfica (o crescimento demográfico no mundo é explosivo, acompanhado por uma crescente produção, consumo e pressão sobre os recursos naturais que são limitados face às ilimitadas necessidades humanas);
5.       A bomba ambiental (estamos a atravessar a 6ª extinção em massa, e não foi causada por um meteorito que colidiu com a Terra, a não ser que chamemos ao ser humano um “meteorito”. Bem vindos ao Antropoceno.);
6.       E a bomba terrorista (eles andam aí).

As consequências destas bombas podem ser devastadoras. Aliás já estão a sê-lo para muitos.

A estas bombas acrescentaria a bomba mais ameaçadora de todas: aquela que ninguém espera e que por isso não pode ser nomeada por ser uma bomba desconhecida. Não tenhamos a ilusão de que somos conhecedores de todas as ameaças que pairam sobre as nossas cabeças. A realidade cósmica pode surpreender-nos com uma verdade inesperada e, dessa forma, ameaçar a nossa existência. Como disse George Steiner uma vez e que já aqui foi citado:

Tenho uma certa imagem mental da verdade emboscada ao virar da esquina, à espera de que o homem se aproxime – e a preparar-se para lhe dar uma cacetada na cabeça.

George Steiner, Nostalgia do Absoluto, Relógio D’Água, 2003. Pág. 80 e 81

Entretanto, carpe diem.

sexta-feira, outubro 05, 2012

O maravilhoso mundo plano*


Nas palavras de George Steiner, esse maravilhoso mundo do capitalismo benfazejo, hoje globalizado, no qual “o progresso irradiaria necessariamente a partir dos seus centros privilegiados acabando por tocar todos os homens” e que tanto deslumbra Thomas Friedman, não passa de um sarcasmo. Já em 1971 quando Steiner escreveu o que escreveu, não passava de um sarcasmo. Mas Friedman, que anunciou ao mundo em 2005, que o mundo era plano devido à globalização capitalista, facto que proporcionaria a todos um progresso nivelador, não deve ter lido Steiner. Pelo menos não consta da bibliografia.

Disse Steiner:

«Sabemos hoje, enquanto Adam Smith e Macaulay o não sabiam, que o progresso material participa numa dialéctica de destruição concomitante e que devasta irreparavelmente os equilíbrios entre a sociedade e a natureza. Os progressos técnicos, soberbos em si próprios, têm contribuído activamente para a ruína dos sistemas vivos elementares e das condições ecológicas do mundo. O nosso sentido do movimento da história já não é linear, mas o de uma espiral. Somos hoje capazes de conceber uma utopia tecnocrática e higiénica funcionando num vazio de possibilidades humanas.
O segundo aspecto do sarcasmo refere-se a um contraste. Já não admitimos a projecção, implícita no modelo clássico do capitalismo benfazejo, segundo a qual o progresso irradiaria necessariamente a partir dos seus centros privilegiados acabando por tocar todos os homens. As obscenidades supérfluas das sociedades desenvolvidas coexistem com o que parece ser um estado de fome endémico em grande parte da Terra. Com efeito, o progresso quanto às esperanças de vida individual e à duração desta, proporcionado pela tecnologia médica, alimentou o ciclo do excesso populacional e da fome. Muitas vezes, os bens e circuitos de distribuição necessários para a eliminação da fome, da miséria, encontram-se a postos, mas a inércia da cupidez ou da política não permitem a sua utilização. Em demasiados casos a nova tecnocracia não é só destruidora dos valores anteriores e alternativos como cruelmente incapaz de tudo o que não seja exercer-se em vista do lucro no seu horizonte limitado. Assim ficamos numa posição ambivalente, irónica, frente ao dogma do progresso e ao prodigioso bem-estar do qual somos tantos a fruir, hoje em dia, no Ocidente tecnológico.»

George Steiner, No Castelo do Barba Azul – Algumas Notas para a Redefinição da Cultura, Relógio D’Água, 1992. P.77-78.

(*) Referência à obra de Thomas Friedman (2005),  O Mundo é Plano: uma Breve História do século XXI. Actual Editora.

Etiquetas