Nas palavras de George Steiner, esse
maravilhoso mundo do capitalismo benfazejo, hoje globalizado, no qual “o
progresso irradiaria necessariamente a partir dos seus centros privilegiados
acabando por tocar todos os homens” e que tanto deslumbra Thomas Friedman, não
passa de um sarcasmo. Já em 1971 quando Steiner escreveu o que escreveu, não
passava de um sarcasmo. Mas Friedman, que anunciou ao mundo em 2005, que o
mundo era plano devido à globalização capitalista, facto que proporcionaria
a todos um progresso nivelador, não deve ter lido Steiner. Pelo menos não
consta da bibliografia.
Disse Steiner:
«Sabemos
hoje, enquanto Adam Smith e Macaulay o não sabiam, que o progresso material participa
numa dialéctica de destruição concomitante e que devasta irreparavelmente os equilíbrios
entre a sociedade e a natureza. Os progressos técnicos, soberbos em si
próprios, têm contribuído activamente para a ruína dos sistemas vivos
elementares e das condições ecológicas do mundo. O nosso sentido do movimento
da história já não é linear, mas o de uma espiral. Somos hoje capazes de conceber
uma utopia tecnocrática e higiénica funcionando num vazio de possibilidades
humanas.
O segundo aspecto
do sarcasmo refere-se a um contraste. Já não admitimos a projecção, implícita
no modelo clássico do capitalismo benfazejo, segundo a qual o progresso
irradiaria necessariamente a partir dos seus centros privilegiados acabando por
tocar todos os homens. As obscenidades supérfluas das sociedades desenvolvidas
coexistem com o que parece ser um estado de fome endémico em grande parte da
Terra. Com efeito, o progresso quanto às esperanças de vida individual e à
duração desta, proporcionado pela tecnologia médica, alimentou o ciclo do
excesso populacional e da fome. Muitas vezes, os bens e circuitos de distribuição
necessários para a eliminação da fome, da miséria, encontram-se a postos, mas a
inércia da cupidez ou da política não permitem a sua utilização. Em demasiados
casos a nova tecnocracia não é só destruidora dos valores anteriores e
alternativos como cruelmente incapaz de tudo o que não seja exercer-se em vista
do lucro no seu horizonte limitado. Assim ficamos numa posição ambivalente,
irónica, frente ao dogma do progresso e ao prodigioso bem-estar do qual somos
tantos a fruir, hoje em dia, no Ocidente tecnológico.»
George
Steiner, No Castelo do Barba Azul –
Algumas Notas para a Redefinição da Cultura, Relógio D’Água, 1992. P.77-78.