«Mas não gosto de todos esses pequenos percevejos, cuja ambição insaciável
é a de libertar o cheiro infinito, até o infinito acabar por cheirar a
percevejos; não gosto de túmulos redecorados que imitam a vida; não gosto dos
homens cansados e gastos que se embrulham em sabedoria e têm uma visão «objectiva»;
não gosto de agitadores que se vestem de heróis e disfarçam a velha cabeça de
alho chocho com um boné mágico de ideias; não gosto de artistas ambiciosos que
aspiram representar o ascético e o sacerdote e que, no fundo não passam de
palhaços trágicos; e também não gosto
desses especuladores mais recentes no idealismo, os anti-semitas que, a rolar
os olhos num estilo cristão-ariano-filisteu, procuram despertar todos os
elementos bovinos do povo através de um abuso exasperante dos meios mais vis de
agitação e atitudes morais (que todo o tipo de fraude intelectual alcança
algum grau de sucesso na Alemanha de hoje está relacionado com a estultificação
inegável e já tangível da mente alemã, cuja causa procuro numa dieta
extremamente exclusiva de jornais, políticas, cerveja e música wagneriana,
incluindo o que esta dieta pressupõe: em primeiro lugar a constrição e vaidade
características da nação, o princípio forte mais limitado de «Deutschland, Deutschland
über alles», bem como a paralysis agitans das ideias modernas»).»
Friedrich Nietzsche, A Genealogia da Moral, Publicações
Europa-América, 2002, pág. 134 (livro de bolso) (o destaque a negrito é nosso)
***
Que eram eles, esses nazis, senão
“pequenos percevejos” que empestavam o mundo, querendo que o mundo cheirasse
como eles. Não foi a sua ideologia um “túmulo redecorado de vida”? Não eram eles
“agitadores vestidos de heróis” nas suas fardas e botas cardadas? Palhaços
trágicos! Anti-semitas que despertaram os “elementos bovinos” do povo alemão, “através
do abuso exasperante dos meios mais vis de agitação e atitudes morais”. Eis os
homenzinhos das SS, nas suas
primeiras “acções de combate”, quando saltavam dos seus camiõezinhos ao som de
apitos e se punham a dar cacetadas nos sociais-democratas, como nos narra Stefan
Zweig:
«Certo dia, quatro camiões chegaram de repente a grande velocidade a uma
localidade fronteiriça onde se estava a realizar um comício pacífico dos
social-democratas; cada camião vinha apinhado de jovens nacional-socialistas
empunhando cacetes de borracha, e tal como me tinha sido dado ver, na Praça de
São Marcos em Veneza, também estes aqui surpreenderam, pela sua rapidez, todos
os presentes que foram apanhados desprevenidos. Tratou-se exactamente do mesmo
método copiado dos fascistas, só que aprendido com férrea precisão militar e sistematicamente
organizado até ao último pormenor, à maneira alemã. A um assobio, os homens das
SS saltaram dos veículos à velocidade de um raio, bateram com os seus cacetes
de borracha em quem lhes aparecia pela frente e, antes que a polícia pudesse
intervir, ou os trabalhadores pudessem juntar-se, já eles tinham voltado a
saltar para dentro dos camiões que partiram à desfilada.»
Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim,
2005, pág. 394
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Não, Nietzsche não era
anti-semita, e por certo abominaria nazis. Parece tê-los cheirado com
muitos anos de antecedência, muito antes dos contemporâneos daqueles se terem
apercebido do que aí vinha.
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