terça-feira, fevereiro 21, 2012

O fracasso da escola

A cultura consumista-hiperindividualista não é a encarnação do horror cultural absoluto. Simplesmente, ressente-se da sua hipertrofia, de um triunfo que não se preocupa o suficiente em erguer barreiras ao seu poder. Assim, a era consumista não impede em absoluto o desenvolvimento de elites nem, mais amplamente, a boa escolarização dos jovens para que, enquadrados pela família, se salvem dos métodos escolares “expressivos”, das sitcom, dos chats, dos downloads de música, da publicidade das marcas. Quando desaparece o contrapeso familiar, a ordem consumista e a escola que lhe corresponde manifestam-se no seu fracasso. Sob a bandeira da democratização, a nova era cultural é profundamente “desigualitária”; é um êxito para alguns, para aqueles cujo enquadramento familiar põe limites à expansão e ao poder dissolvente da cultura cool; é fatal para outros, para todos aqueles que, não apoiados pela sua família, não encontram já nenhum suporte “institucional” para formar-se e aprender.

Há que repeti-lo: a nossa escola não funciona. Pede uma mudança, sem dúvida uma reforma intelectual profunda, para reorientá-la e colocá-la em condições de honrar as suas promessas de educação e mobilidade social

Lipovetsky, Gilles; Serroy, Jean (2010), La Cultura-Mundo – Respuesta a una Sociedad Desorientada. Editorial Anagrama. Barcelona. Páginas 171-172
(Traduzido da edição espanhola aqui pelo muchacho)

A obra existe em Portugal:

Lipovetsky, Gilles; Serroy, Jean (2010), A Cultura Mundo – Resposta a Uma Sociedade Desorientada. Edições 70.

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Ainda aprendemos e ensinamos na anacrónica escola da Era Industrial. A escola ainda funciona como uma espécie de linha de montagem. A entrada e saída de alunos e professores nas e das salas de aula, por exemplo, faz-se ao ritmo de pavlovianas campainhas (quais sirenes fabris). E o conhecimento nas salas de aula ainda se transmite em doses empacotadas. Isto quando fora da escola (e dentro dela também) e em todo o lado, a informação se encontra disponível para quem a queira colher. Informação omnipresente, mas também excesso de informação. Selvas de informação onde nos perdemos e enredamos. Mas já não a Era do deserto da informação. Que fazer então? Se vivemos na Era da Informação, porquê uma escola da Era Industrial? O resultado de tudo isto é a promoção de uma reprodução social que mantém os pobres na pobreza e os ricos na riqueza (e não falamos apenas da pobreza material). E não me venham com essa de que pobres sempre haverá. Mas era suposto que a escola enriquecesse? Era (e mais uma vez não falamos de riqueza material)! Mas neste jogo jogam sempre outros factores, não é verdade? Muito se esforçam os que dentro da própria escola laboram, mas a questão transcende-os, pois esta escola é demasiado importante para que seja deixada apenas ao cuidado dos que dela bem cuidam e estimam.

Esta escola, tal como existe, não honra efectivamente as suas “promessas de educação e mobilidade social”. Antes pelo contrário, contribui para a manutenção das desigualdades sociais e para a reprodução social.  É assim que as elites o desejam, não vá a sua posição ser posta em causa pela mobilidade ascensional dos filhos da ralé. Não vá deixar de haver ralé. É que a ralé afinal é precisa. Afinal, como dizia Almeida Garret, que não consta que fosse comunista: quantos pobres são necessários para se produzir um rico?

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