“A cultura consumista-hiperindividualista não é a encarnação do horror
cultural absoluto. Simplesmente, ressente-se da sua hipertrofia, de um triunfo
que não se preocupa o suficiente em erguer barreiras ao seu poder. Assim, a era
consumista não impede em absoluto o desenvolvimento de elites nem, mais
amplamente, a boa escolarização dos jovens para que, enquadrados pela família,
se salvem dos métodos escolares “expressivos”, das sitcom, dos chats, dos downloads de música, da
publicidade das marcas. Quando desaparece o contrapeso familiar, a ordem
consumista e a escola que lhe corresponde manifestam-se no seu fracasso. Sob a
bandeira da democratização, a nova era cultural é profundamente “desigualitária”;
é um êxito para alguns, para aqueles cujo enquadramento familiar põe limites à
expansão e ao poder dissolvente da cultura cool; é fatal para outros, para todos aqueles que, não apoiados pela sua
família, não encontram já nenhum suporte “institucional” para formar-se e
aprender.
Há que repeti-lo: a nossa escola não funciona. Pede uma mudança, sem
dúvida uma reforma intelectual profunda, para reorientá-la e colocá-la em
condições de honrar as suas promessas de educação e mobilidade social.»
Lipovetsky, Gilles;
Serroy, Jean (2010), La Cultura-Mundo – Respuesta
a una Sociedad Desorientada. Editorial Anagrama. Barcelona. Páginas 171-172
(Traduzido da edição
espanhola aqui pelo muchacho)
A obra existe em Portugal:
Lipovetsky, Gilles; Serroy, Jean (2010), A Cultura Mundo – Resposta a Uma Sociedade
Desorientada. Edições 70.
***
Ainda aprendemos e ensinamos na anacrónica
escola da Era Industrial. A escola ainda funciona como uma espécie de linha de
montagem. A entrada e saída de alunos e professores nas e das salas de aula, por
exemplo, faz-se ao ritmo de pavlovianas campainhas (quais sirenes fabris). E o
conhecimento nas salas de aula ainda se transmite em doses empacotadas. Isto
quando fora da escola (e dentro dela também) e em todo o lado, a informação se
encontra disponível para quem a queira colher. Informação omnipresente, mas também
excesso de informação. Selvas de informação onde nos perdemos e enredamos. Mas
já não a Era do deserto da informação. Que fazer então? Se vivemos na Era da
Informação, porquê uma escola da Era Industrial? O resultado de tudo isto é a
promoção de uma reprodução social que mantém os pobres na pobreza e os ricos na
riqueza (e não falamos apenas da pobreza material). E não me venham com essa de
que pobres sempre haverá. Mas era suposto que a escola enriquecesse? Era (e
mais uma vez não falamos de riqueza material)! Mas neste jogo jogam sempre outros
factores, não é verdade? Muito se esforçam os que dentro da própria escola
laboram, mas a questão transcende-os, pois esta escola é demasiado importante
para que seja deixada apenas ao cuidado dos que dela bem cuidam e estimam.
Esta escola, tal como existe, não
honra efectivamente as suas “promessas de educação e mobilidade social”. Antes
pelo contrário, contribui para a manutenção das desigualdades sociais e para a
reprodução social. É assim que as elites
o desejam, não vá a sua posição ser posta em causa pela mobilidade ascensional
dos filhos da ralé. Não vá deixar de haver ralé. É que a ralé afinal é precisa.
Afinal, como dizia Almeida Garret, que não consta que fosse comunista: quantos
pobres são necessários para se produzir um rico?