Odeio as viagens e os exploradores. E aqui estou eu disposto a relatar
as minhas expedições. Mas quanto tempo para me decidir! Quinze anos passaram
desde a data em que deixei o Brasil pela última vez e, durante todos esses
anos, muitas vezes acalentei o projecto de começar este livro: a cada vez, era
detido por uma espécie de vergonha e de repulsa, pois será mesmo necessário
contar minuciosamente tantos pormenores insípidos, tantos acontecimentos
insignificantes?
Claude Lévi-Strauss, Tristes Trópicos, Edições 70, 1993,p. 11
A ideia de
viajar nauseia-me.
Já vi tudo
que nunca tinha visto.
Já vi tudo
que ainda não vi.
O tédio do constantemente novo, o tédio de descobrir, sob a falsa
diferença das coisas e das ideias, a perene identidade de tudo, a semelhança
absoluta entre a mesquita, o templo e a igreja, a igualdade da cabana e do
castelo, o mesmo corpo estrutural a ser rei vestido e selvagem nu, a eterna
concordância da vida consigo mesma, a estagnação de tudo que vive só de
mexer-se.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio &
Alvim, 6ª ed. 2013, 130.
Que é viajar, e para que serve viajar? Qualquer poente é o poente; não
é mister ir vê-lo a Constantinopla. A sensação de libertação, que nasce das
viagens? Posso tê-la saindo de Lisboa até Benfica, e tê-la mais intensamente do
que quem vá de Lisboa à China, porque se a libertação não está em mim, não está,
para mim, em parte alguma. «Qualquer estrada», disse Carlyle, «até esta estrada
para Entepfuhl, te leva até ao fim do mundo». Mas a estrada de Entepfuhl, se
for seguida toda, e até ao fim, volta a Entepfuhl; de modo que o Entepfuhl,
onde já estávamos, é aquele mesmo fim do mundo que íamos a buscar.
Fernando Pessoa, Livro do Desassossego, Assírio &
Alvim, 6ª ed. 2013, 140.
***
Claude Lévi-Strauss e Fernando
Pessoa eram dois homens que odiavam as viagens. O primeiro sabia, ou
pressentia, que ao fazer das culturas indígenas o objecto da sua dissecação análise, já
estaria dessa forma a contaminá-las. O seu olhar inquisidor era também o do
explorador científico. Claude Lévi-Strauss sabia muito bem o que se seguiria e
para que servia essa actividade científica e exploradora a que se dedicava com
minúcia. O Homem lança-se ao conhecimento do Mundo para melhor dominar o Mundo.
Primeiro vem a exploração, depois a dominação.
Já para Fernando Pessoa, o universo interior era mais
apelativo e encantador do que o universo exterior. Esse apelo soava mais alto,
a ponto de ele desvalorizar completamente as deslocações no espaço físico. Para
ele as grandes viagens eram as que realizava interiormente, quiçá, embalado
pelos copos de aguardente.