Cormac McCarthy |
A violência gratuita e explícita,
afinal, não está apenas reservada aos filmes mais brutais e hediondos de Hollywood.
Surpreendentemente vim encontrá-la num livro - o Meridiano de Sangue - escrito por Cormac McCarthy, onde ainda me encontro,
esperando concluir a leitura em breve. Pensava eu que não seria possível plasmar tal violência numa obra literária. Ou que a literatura estaria sempre aquém do cinema quando se trata de impressionar pela exposição brutal da violência. É impressionante. É certo que na Ilíada, a obra fundadora da literatura europeia,
a violência já nos era mostrada de forma explícita, mas estava longe de ser
gratuita. Tratava-se de uma violência enquadrada e, de certo modo, justificada.
Já os personagens de McCarthy no Meridiano,
matam por matar, esfolam por esfolar e deambulam em atribulado e aleatório percurso,
ora a aterrorizar os aldeões e os índios do norte do México, ora perdidos pelo
deserto de Sonora, mas ainda assim, sempre ávidos por escalpes. Um bando de patifes onde se integra um enigmático personagem, sábio e cientista, mas que também é
um implacável assassino: o juiz Holden.
Hoje li estas palavras proferidas
por esse estranho personagem:
O universo não é uma coisa limitada e a ordem que o rege não tem peias
que, tolhendo-lhe os desígnios, a forcem a repetir noutro lugar qualquer o que
já existe num dado lugar. Mesmo neste
mundo, existem mais coisas que escapam ao nosso conhecimento do que aquelas que
conhecemos e a ordem que os nossos olhos vêem na criação é a ordem que nós
lá pusemos, qual fio num labirinto, para não nos perdermos.
Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado,
2008, pág. 204
Ora, curiosamente, já tinha lido
qualquer coisa parecida, do filósofo Karl Popper:
Seria desejável que por vezes nos lembrássemos que é precisamente no
pouco que sabemos que somos diferentes, já que somos todos iguais na nossa
ilimitada ignorância.
Karl Popper, Em Busca de um Mundo Melhor, Editorial
Fragmentos, 1989, pág. 59
Um pouco mais adiante, pela boca
do mesmo personagem, surgem-me Nietzsche e o niilismo. Diz o juiz Holden, na página 208:
As leis da moral são uma invenção da humanidade para privar dos seus
direitos os mais poderosos em favor dos fracos. As leis da história subvertem as
leis da moral a cada passo. A validade de uma perspectiva moral nunca pode ser
confirmada ou infirmada por um qualquer exame definitivo.
Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado,
2008, pág. 208