O Meridiano de Sangue, de Cormac McCarthy, é uma obra-prima do género western. E a tradução, de Paulo Faria, se
não enriquece a obra, está à altura dela. (*)
Ficam duas citações do juiz Holden e as respectivas reflexões
sobre as mesmas.
Sonho ou realidade?
As memórias dos homens
são incertas e o que aconteceu no passado pouco difere do passado que não
aconteceu.
Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado,
2008, pág. 273
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Por vezes as recordações
misturam-se com os sonhos e, em certas circunstâncias, quando recordamos o
passado, ficamos na dúvida se aquilo que sentimos como tendo sido um
acontecimento vivido não se trata afinal de um sonho tido sobre esse mesmo acontecimento.
Dança ritual da guerra
Uma coisa te digo. À medida que a guerra vai sendo aviltada e a sua
nobreza posta em causa, os homens honrados que reconhecem a santidade do sangue
vêem-se excluídos da dança, que é um direito dos guerreiros, e deste modo a
dança converte-se numa falsa dança e os dançarinos em falsos dançarinos. E
todavia, haverá sempre um dançarino que fará jus a esse título, e consegues
adivinhar quem será?
Cormac McCarthy, Meridiano de Sangue, Biblioteca Sábado,
2008, pág. 273
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É caso para dizer, que quem dança
por último dança melhor.
Desconfiamos que as danças
primevas começaram por ser danças rituais. A dança é uma forma de expressão universal e
desenvolveu-se em todas as civilizações e culturas do planeta, civilizações e
culturas que evoluíram até certo momento, em total desconhecimento da
existência das demais. A universalidade da dança não parece por isso ter resultado
de uma difusão por contágio, mas o seu aparecimento parece relacionado com um
determinado estádio da evolução humana. Não se conhecem sociedades não humanas
que dancem, muito menos ritualmente, embora alguns pássaros pareçam dançar em rituais de acasalamento.
Ainda hoje se dança nos
casamentos, na nossa sociedade. Em certas culturas, a passagem à idade adulta é
marcada por danças rituais e celebratórias. E existem ainda as belicosas danças
da vitória. Danças guerreiras.
E até os demónios mais belicosos dançam uma estranha dança, como Hitler, em 1940, ao saber da queda de Paris. Mas por último não foi ele quem dançou.
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(*) - George Steiner diz que
certas traduções chegam até a ser enriquecedoras. É o caso, a nosso ver.