terça-feira, julho 28, 2020

Escritos na parede, em Almada


Frases enigmáticas, escritas provavelmente por algum anarquista, de fugida, numa noite muito escura. Frases que nos desafiam de propósito, e, portanto, frases que gostamos de desafiar.

Eis uma das frases:

O futuro é passado no presente

Este “passado” é importante pois pode referir-se ao decorrer, e nesse caso a frase diz-nos que o futuro decorre no presente. Ou pode referir-se tão só ao que já ocorreu, ao tempo antes do presente. E aqui surge um paradoxo: como é que o futuro se pode considerar tempo antes do presente? A frase presta-se a diferentes interpretações e conduz-nos ao paradoxo.

Na verdade, o presente é o futuro do passado. Esta ideia está expressa no excelente livro de Ivan Krastev (2020), O Futuro por Contar, Objectiva, na página 18. Diz ele:

A diferença entre o passado e o presente é que nunca podemos conhecer o futuro do presente, mas já vivemos o futuro do passado.

Eis outra frase que lemos nas paredes, provavelmente escritas pela mesma pessoa, pois a letra era a mesma:

O dinheiro que salva também mata

Por que não o contrário? Ou seja: o dinheiro que mata também salva.

O “também” é de extrema importância na frase, assim como a palavra que surge no fim. Na frase inscrita na parede, o dinheiro é um malvado, pois no fim acaba por matar. Na frase que proponho o dinheiro no fim também salva. Acaba por ser uma visão mais positiva de um meio que é o dinheiro. O dinheiro não tem culpa. O uso que dele se faz é que pode ser questionável. Atirar no dinheiro é atirar ao lado.

Mas ainda assim, as referidas frases inscritas na parede são frases-pontapé. Frases que nos fazem pensar, nos interpelam e desafiam.

Mas como dizia Nanni Moretti: le parole sono importanti!

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