“Ninguém pode escolher a terra
onde nasce e o povo a que pertence. Ninguém pode aceitar o passado do seu país
a benefício de inventário, rejeitando os erros e apropriando os êxitos. Mas escolher ficar é um acto de amor.”
Adriano Moreira, Da Utopia à Fronteira da Pobreza. INCM.
2011. Página 82
“Que fazer? Marginalizar-se ou cooperar? «Fugir ou
aguentar?»
(…)
Mas importa ver os momentos de
verdade nas expressões desta alternativa. A marginalização justifica-se, porque quem tem olhos para ver não quer
implicar-se nos cinismos insuportáveis de uma sociedade que perde a distinção
entre produzir e destruir. Cooperar justifica-se porque o indivíduo tem o
direito de se orientar para a autopreservação a médio prazo. Fugir
justifica-se, porque com isso se recusa uma coragem estúpida e só loucos se
esgotam em batalhas perdidas se houver espaços de refúgio mais favoráveis à
existência. Aguentar justifica-se porque a experiência nos diz que todo o conflito
meramente evitado acaba por nos apanhar em qualquer ponto de fuga.”
Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica. Relógio D’Água. 2011. Página 168.
(Os negritos em ambas as citações
são nossos.)
***
Adriano Moreira repete até à exaustão
essa ideia de que ficar é um acto de amor. Di-lo expressamente nas páginas 46,
67, 82, 95 e 173 da obra supra citada. Neste país, que desaproveita os seus
recursos físicos e, em particular, humanos, ficar é não só um acto de amor,
como um acto de coragem. Mas partir, principalmente nas circunstâncias em que partiu
a grande maioria dos emigrantes portugueses, nos anos 60 e no início dos anos
70 do século XX, e também naquelas em que hoje muitos partem, é um acto de
coragem que está muito muito longe de ser um acto de desamor. Alguém põe em
causa o amor que os cinco milhões dos nossos conterrâneos que vivem lá fora
nutrem pelo país natal? Partir, faz parte da nossa condição, aliás, sempre fez (por
isso a Saudade cresceu entre nós). “Para nascer, Portugal, para morrer, o mundo”,
já dizia o Padre António Vieira.
Salazar, a dada altura, tentou
estancar a hemorragia humana que abandonava o país porque precisava da gente
que estava a escapar-lhe para a enviar para a Guerra Colonial ou para o
Tarrafal. Hoje, estamos perante um Governo igualmente cínico, senão o mais
cínico de todos (o cinismo parece ser o traço mais vincado deste Governo), que
se aproveita desta nossa condição para oportunamente nos apontar a porta de
saída. Só falta dizer-nos expressamente: quem está mal que se mude! E fá-lo-á,
depois de nos ter esvaziado os bolsos e o futuro.