Luigi Garzi, Alegoria de Outono, c.1680
«Já, o outono! – Mas porque
desejar um sol eterno, se partimos à descoberta da claridade divina – longe daqueles
que florescem e morrem com as estações.
O outono. A
barca ascendida à imobilidade das brumas regressa agora ao porto da miséria,
cidade imensa, imenso céu traçado de fogo e de lama. Ah! os farrapos podres, o
pão encharcado de chuva, a bebedeira, os mil amores que me crucificaram! Então
não findará jamais este vampiro, este tirano de milhões de almas e de corpos
mortos que serão julgados! Revejo-me:
a pele roída pela peste e pela lama, a cabeça e os sovacos repletos de piolhos,
não tão gordos, não tantos como os que me roíam o coração, deitado entre desconhecidos
de idade incerta, de sentimentos incertos…Podia ter ficado ali…Pavorosa evocação!
Detesto a miséria.
E temo o inverno
por ser a estação do conforto!»
Rimbaud (1873), Une Saison en Enfer
(tradução Mário
Cesariny de Vasconcelos)
in Jean Arthur Rimbaud, Uma Época no Inferno, Portugália
Editora, 1960.
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