«Enquanto o povo judeu foi vencido e disperso e entrou na amarga segunda
metade da sua história – em que o seu modelo poderia ter sido mais Ahasver do
que David -, o cristianismo prosseguiu a resistência judaica contra o império
romano a outro nível. O cristianismo
começou por se tornar uma grande escola de resistência, da coragem e da fé
encarnada; se o cristianismo fosse na época aquilo que é hoje na Europa, não
teria sobrevivido sequer cinquenta anos. Durante o império romano, os
cristãos tornaram-se a tropa de elite de uma resistência interior. Ser cristão
então significava não se deixar intimidar por nenhum poder no mundo, sobretudo
pelos imperadores-deuses romanos arrogantes, brutais e amorais cujas manobras
político-religiosas eram perfeitamente conspícuas.»
Peter Sloterdijk, Crítica da Razão Cínica, Relógio D’Água.
2011. Pág. 298
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Naquele tempo a morte assomava-se
sempre no horizonte. Estava sempre presente e, muitas vezes, aproximava-se
sorrateira. A vida terrena era breve. Cristo apareceu então, proclamando a vitória
da vida sobre a morte. Essa crença funcionou entre os cristãos como uma espécie
de argamassa muito forte que os mantinha unidos: a Fé. Contra a morte e contra
o Império. Entravam no circo romano cantando, momentos antes de serem
chacinados. Mas não soçobravam. Por isso o Império ruiu.
Hoje a morte está mais distante.
Assoma-se na TV. A argamassa da Fé enfraqueceu e o cristianismo também.
A Fé do cristianismo está hoje
tão enfraquecida na Europa, que se fosse confrontada com o poder dos
imperadores, não sobreviveria sequer cinquenta anos, diz Sloterdijk. Na verdade,
o cristianismo já pouca oposição revela face aos novos impérios sem rosto que
dominam o nosso mundo.
Parece que ao alinhar tantas
vezes com os impérios, foi o cristianismo que enfraqueceu.