quinta-feira, maio 24, 2012

Nós os novos, construamos uma anarquia portuguesa. Que esperamos?


«Somos incapazes de revolta e de agitação. Quando fizemos uma “revolução” foi para implantar uma coisa igual ao que já estava. Manchámos essa revolução com a brandura com que tratámos os vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficámos miserandamente os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e fingimento. Portugal precisa dum indisciplinador. Todos os indisciplinadores que temos tido, ou que temos querido ter, nos têm falhado. Como não acontecer assim, se é da nossa raça que eles saem? As poucas figuras que de vez em quando têm surgido na nossa vida política com aproveitáveis qualidades de perturbadores fracassam logo, traem logo a sua missão. Qual é a primeira coisa que fazem? Organizam um partido... Caem na disciplina por uma fatalidade ancestral.
 Trabalhemos ao menos — nós, os novos — por perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios, a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia portuguesa.»

Fernando Pessoa, in “Crónica da vida que passa”, O Jornal, n.º 6, 8 de Abril de 1915.

***

Fernando Pessoa continua actual. Actualíssimo! Deposita nos novos a esperança. Que perturbem as almas! Que desorientem os espíritos! Que agitem as águas paradas onde as consciências dos velhos portugueses adormecem! Em vez de se lamentarem: “Que parva que eu sou! E fico a pensar, que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar.» Que se ergam! É a sua hora! É hora!

Mas não. Partem... Viram as costas... É mais fácil partir do que mudar... Desolação. Fatalidade. Portugal.

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