«Somos incapazes de revolta e de
agitação. Quando fizemos uma “revolução” foi para implantar uma coisa igual ao
que já estava. Manchámos essa revolução com a brandura com que tratámos os
vencidos. E não nos resultou uma guerra civil, que nos despertasse; não nos
resultou uma anarquia, uma perturbação das consciências. Ficámos miserandamente
os mesmos disciplinados que éramos. Foi um gesto infantil, de superfície e
fingimento. Portugal precisa dum indisciplinador. Todos os indisciplinadores
que temos tido, ou que temos querido ter, nos têm falhado. Como não acontecer
assim, se é da nossa raça que eles saem? As poucas figuras que de vez em quando
têm surgido na nossa vida política com aproveitáveis qualidades de
perturbadores fracassam logo, traem logo a sua missão. Qual é a primeira coisa
que fazem? Organizam um partido... Caem na disciplina por uma fatalidade
ancestral.
Trabalhemos ao menos — nós, os novos — por
perturbar as almas, por desorientar os espíritos. Cultivemos, em nós próprios,
a desintegração mental como uma flor de preço. Construamos uma anarquia
portuguesa.»
Fernando Pessoa, in “Crónica da
vida que passa”, O Jornal, n.º 6, 8 de Abril de 1915.
***
Fernando Pessoa continua actual.
Actualíssimo! Deposita nos novos a esperança. Que perturbem as almas! Que
desorientem os espíritos! Que agitem as águas paradas onde as consciências dos
velhos portugueses adormecem! Em vez de se lamentarem: “Que parva que eu sou! E
fico a pensar, que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar.»
Que se ergam! É a sua hora! É hora!
Mas não. Partem... Viram as
costas... É mais fácil partir do que mudar... Desolação. Fatalidade. Portugal.