No que me toca, prefiro, de longe, a antiga liberdade.
«No mundo antigo – na Antiguidade pré-cristã, em particular
na Grécia antiga, ou durante o longo reinado da cristandade -, a definição
dominante da liberdade envolvia o reconhecimento de que necessitava de uma
forma apropriada de autonomia. (…)
A liberdade, assim compreendida, não era fazer o que se quisesse, mas sim escolher o caminho certo e virtuoso. Ser livre era, acima de tudo, estar livre da submissão aos nossos desejos básicos, que nunca poderiam ser satisfeitos e cuja perseguição só podia criar mais desejos e descontentamento. Assim, a liberdade era a condição alcançada pelo autodomínio, pelo controlo dos nossos apetites e do desejo de domínio político.
A característica definidora do pensamento moderno foi a rejeição desta definição de liberdade em proveito de uma definição que nos é hoje mais familiar. A liberdade, definida pelos criadores do liberalismo moderno, era a condição na qual os seres humanos estavam completamente livres para perseguir tudo o que desejavam».
Patrick J. Deneen, Porque Está a Falhar o Liberalismo? Gradiva, 2019. pág.99
O resultado está à vista. O ser humano moderno, se puder, apropria-se de tudo o que deseja e erige direitos sobre tudo o que cobiça, porque a sua liberdade não tem limites (é assim que é concebida, neste mundo mui liberal). Do mais poderoso ao mais pelintra, todos acabam por considerar-se proprietários de qualquer coisa, com direitos sobre qualquer coisa, apropriando-se, por isso, de tudo o que se possam apropriar para si, desde que o cobicem e esteja ao seu alcance. E, no mínimo, até o próprio corpo é hoje considerado como uma propriedade de quem o habita. “O corpo é meu, faço dele o que quero” (Ouvem-se certos gritos de ordem nas manifestações). Desculpem?! Mais do que direitos sobre esse corpo, que se quer tratar como se fosse um bem de consumo ou uma propriedade, prevalecem os deveres sobre o mesmo.
Considerá-lo-ão uma mercadoria?
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Vivemos, no mundo dominado pelas forças de mercado e pensamos
e cada vez mais como consumidores mimados. Tendemos a ver mercadorias em todo o
lado. E há quem faça do corpo uma mercadoria e venda até os seus próprios
órgãos. Há
uma aldeia de pescadores, na baia de Manila, nas Filipinas, em que quase todos
os homens pobres têm uma longa cicatriz no lado de um dos rins – decidiram vender
um dos rins para transplante, por um pataco. Essa notícia impressionou-me
em 2008, ao ponto de ainda me lembrar dela. Este é o mundo em que vivemos.
Temos o dever de defender o nosso corpo, de o respeitar como
se de um templo se tratasse. Há, no entanto, quem prefira tratá-lo como como
uma mercadoria.
Prefiro ver o corpo como uma dádiva que tenho de estimar e
respeitar, por respeito com o Criador, com a Natureza, com os meus
antepassados, enfim com o que me fez chegar até aqui.
Desperately
poor Filipinos sell kidneys - ABC News
https://www.abc.net.au/news/2008-04-18/desperately-poor-filipinos-sell-kidneys/2409350
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