
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que
me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se
o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros,
entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem,
será bem também."
Bernardo Soares, O Livro do Desassossego in Obras de Fernando Pessoa, Vol. II, Lello
& Irmão, Porto, 1986. Pág. 550-551
“A estrada é sempre melhor do que a estalagem.”
Cervantes
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A vida sempre pode ser concebida
como uma estalagem ou como uma estrada. Quixote fez-se à estrada e, por vezes,
parava nas estalagens que confundia com castelos. Bernardo Soares aguardava na
estalagem, sem pressa, a chegada da diligência do abismo do qual nada se sabe.
Sabemos apenas que quando o olhamos ele
nos devolve o olhar, mais penetrante ainda, e nos indaga. Estremecemos então.
Persignamo-nos. Oramos: “Mesmo que
atravesse os vales sombrios, nenhum mal temerei, porque estais comigo” Sl.
23… Além está o vazio e aqui mora o horror ao vazio.
Fiquemos na estalagem ou
escapemos para a estrada, o encontro com a diligência do abismo é inevitável. O que fazer neste ínterim? Viver como um estóico, embora Bernardo Soares preferisse
Epicuro.