«É bem sabido que todas as
vedações têm dois lados. Dividem um espaço uniforme em exterior e interior. Mas
os que se encontram de um dos lados da vedação vêem o exterior onde os que
estão do outro lado vêem o interior. Os residentes dos condomínios isolam-se
por meio da sua vedação, do caos e da dureza que tornam a vida urbana
desconcertante, desagradável e vagamente ameaçadora, e ficam reclusos num oásis
de calma e segurança. Ao mesmo tempo, contudo, separam os outros dos lugares
decentes e seguros, cujos valores estão dispostos a defender encarniçadamente, e
abandonam-nos às mesmas ruas sórdidas e miseráveis de que fugiram sem olhar a
despesas. A vedação separa o
ghetto
voluntário dos ricos e dos poderosos dos inumeráveis
ghettos forçados em que os deserdados vivem. Para os que fazem
parte do
ghetto voluntário, os
restantes
ghettos são lugares onde
nunca porão os pés. Para os habitantes dos
ghettos
involuntários, em contrapartida, o território a que estão confinados (ao
verem-se excluídos de todos os outros lugares) é um espaço do qual se encontram
proibidos de sair.»
Zygmunt Baumman, Confiança e Medo
na Cidade, Relógio D’Água, 2006