Hoje, pela manhã, entre a Praia da Rainha e a Praia do Rei, poucos eram os que se passeavam à beira-mar. Todos devidamente apartados (excepto alguns que iam aos pares), uns correndo, outros caminhando, passando bem à ilharga uns dos outros, não fosse o coronavírus andar por ali.
Depois, a rápida retirada em direcção ao recato do lar-bunker onde se consumiu o resto do domingo.
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Desta vez o Titanic embateu num vírus, e entre o ir e o não ir ao fundo, lá se vai tentando fingir a normalidade.
Tenho-me lembrado nestes dias das palavras de George Steiner que disse que tinha uma certa imagem mental da verdade emboscada ao virar da esquina, à espera de que o homem se aproxime – e a preparar-se para lhe dar uma cacetada na cabeça*; e também de Urlich Beck e da sua Sociedade do Risco, a nossa sociedade do risco.
Estes tempos de excepção colocam-nos naqueles dias de aproximação de apocalipses, os dias do fim, em que é rompida a normalidade da rotina quotidiana. Mas é apenas isso no caso presente: a mera sensação de iminência de um fim.
O vírus não afundará o Titanic. Ficaremos somente um pouco mais conscientes do quão frágil é o navio em que navegamos face a essa verdade que a Natureza nos oferece: a de que estamos sós num universo hostil que só está à espera nalguma esquina que o homem se aproxime para lhe dar uma marretada na cabeça.
É que não era suposto estarmos aqui e contudo estamos.
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(*) George Steiner,
Nostalgia do Absoluto, Relógio D’Água, 2003. Pág. 80 e 81.