sexta-feira, fevereiro 29, 2008
Viagem nocturna
domingo, fevereiro 24, 2008
A Escola
Abrir a escola à sociedade. O que significa isso? Então, em todos estes anos a escola esteve fechada à sociedade? O chavão esconde na verdade outra intenção. O que se pretende é abrir a escola ao mercado. Colocar a escola no mercado. Vendê-la. Pô-la ao serviço da economia. Os actuais dirigentes parecem julgar que, para construir um modelo novo é preciso destruir o antigo, deformando-o. E a escola tem sido deformada e não reformada.
Mal vai o país que se deixa manipular pelos seus dirigentes. Mal vai o país que despreza os seus professores. Pobre país.
E as universidades?
O conceito agora é pragmático. Aprender é um privilégio que deve ser pago por quem aprende, consideram as novas tendências neoliberais. Não! Aprender é um prazer e uma necessidade. Hoje querem que a universidade passe a ser um enorme centro de formação profissional. Defendem que as universidades devem formar o homem laboral ao invés do Homem. A importância dos cursos é agora medida pelas saídas profissionais e pela ligação ao mundo do trabalho. Valoriza-se a ligação das universidades às empresas, como se isso fosse mais importante que tudo o resto. O homem deve agora estar ao serviço das empresas e a Universidade ao serviço da Economia. Se tivesse sido esse o critério a presidir às primeiras universidades, em Atenas, ou no período medieval, jamais teriam havido universidades.
Enfim, já soam as trombetas dos mestres professores. A hora é dramática. É hora de cerrar fileiras. É hora de união, reflexão e acção.
sexta-feira, fevereiro 15, 2008
Cavaleiro, Diabo e Morte
Albrecht Dürer criador de uma das gravuras mais belas do mundo: "Cavaleiro, Diabo e Morte".
sábado, fevereiro 09, 2008
Heidegger e o Dito de Anaximandro - II
A antiguidade que determina o Dito de Anaximandro, pertence à madrugada do dealbar da “terra do poente”. E se o inicial ultrapassasse todo o posterior, se até o mais inicial ultrapassasse, ainda e mais possível, o mais tardio? O primevo da madrugada do destino apareceria então como o primevo em relação ao derradeiro (ἔσχατου), isto é, em relação à despedida do destino do ser até agora velado. O ser do ente reúne-se (λἑγεσθαι, λὁγοϛ) no extremo do seu destino. Aquele que até agora, tem sido o estar-a-ser [Wesen] do ser afunda-se na sua verdade ainda velada. A história do ser reúne-se neste adeus. A reunião neste adeus, enquanto reunião (λὁγοϛ) do mais extremo (ἔσχατου) daquilo que tem sido até aqui o seu estar-a-ser [Wesen], é a escatologia do ser. O ser ele próprio, enquanto ser que tem um destino, é, em si próprio escatológico.
Heidegger, Martin (1946), O Dito de Anaximandro in Caminhos da Floresta, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, pág. 377.
Sonhamos ainda com o fecho dos ciclos e com um novo regresso à Idade do Ouro. Fortunae rota volvitur. Sonhamos com o regresso dessa primeira Idade, quando os homens eram livres e felizes. Ou sonhamos com a Idade em que os homens eram heróis, batendo-se ao lado dos deuses. E se o inicial ultrapassasse todo o posterior, se até o mais inicial ultrapassasse, ainda e mais possível, o mais tardio? (pergunta Heidegger). Hesíodo e o seu Mito das Idades ainda nos convoca, mas… a nossa Idade que ainda era há pouco a do Ferro, cessou, para dar lugar a uma nova Idade que não consta da mitologia. Já não a Idade do Ouro, da Prata, do Bronze ou do Ferro, mas uma nova Idade imaterial, feita de dados, informação, imagens… Torna-se necessário reescrever o Mito das Idades. Romperam-se os ciclos.
Mas retomamos o Dito de Anaximandro, para divagarmos com Heidegger acerca da possibilidade do seu cumprimento, com um retorno do estar-a-ser [Wesen] ao apeiron, essa verdade ainda velada, onde aquele que até agora, tem sido o estar-a-ser do ser se afunda. E o destino surge fatalmente enquanto lugar de retorno. Sempre o destino. O ser do ente reúne-se (λἑγεσθαι, λὁγοϛ) no extremo do seu destino. (…) A história do ser reúne-se neste adeus. E encerra-se assim um ciclo. O destino aqui, conduz o estar-a-ser a um eterno retorno, que se afunda na sua verdade e dela torna a emergir, furiosamente, como se estivesse lutando contra uma imersão profunda, ou pela Vida. Ou a Vida lutando por libertar-se das amarras que a prendem ao destino…
Talvez por isso Ortega y Gasset saliente que a vida é preocupação. Viver é preocupar-se, diz ele, ou seja, ocupar-se antecipadamente. Enfim, um eterno retorno do futuro, sempre convocado ao presente das nossas vidas. É por isso que nos preocupamos.
domingo, fevereiro 03, 2008
Heidegger e o Dito de Anaximandro - I
Heidegger desabafa. Parece reclamar contra a ousadia da "madrugada" da filosofia, que teima em dirigir-nos a palavra, e logo a nós, "os rebentos mais tardios da filosofia". Mas não deixa de escutar a palavra que ecoa desde a origem dos tempos filosóficos - o Dito de Anaximandro - e procura nela um sentido que se aplique ao seu tempo que ainda é o nosso. Terá o Tempo ditado o fim da história e o regresso ao apeiron? A questão não é descabida, se considerarmos que foi colocada num momento em que o mundo de Heidegger acabara de ruir (1946), quando os escombros das cidades alemãs, resultantes de uma longa e intensa guerra, pareciam anunciar o fim de uma civilização e se adivinhava uma nova era de equilíbrios instáveis que facilmente poderiam conduzir à destruição nuclear generalizada.
E assim, o fim da esperança, o fim da história, é marcado por um retorno em direcção a "uma ordem uniforme cada vez mais desoladora". Curiosamente, a uniformidade aparece também ligada à ideia de fim da história em Fukuyama (1992), quando se refere à difusão mundial da democracia capitalista liberal enquanto estágio final de uma evolução que tendeu para uma espécie de homeostasia social.
Mas a última questão de Heidegger, reacende a possibilidade de continuidade da história, porque o Dito é apenas uma fresta através da qual se vislumbra o fim, mas não o futuro para além dele - o Dito não é tudo, há o não-dito que pode esconder o futuro (*). Por outras palavras, é aberta a hipótese de a história não estar encerrada numa uniformidade cada vez mais desoladora, sintoma do seu fim. E com efeito, quem ousa hoje afirmar, mesmo depois de Fukuyama o ter afirmado, que a história atingiu o seu termo?
(*) – O fim de uma Era marca o início de uma nova. A construção total (a criação) sucede à destruição total, e as cidades nascem sobre as cinzas das suas antecessoras, excepto as primeiras cidades.
sábado, fevereiro 02, 2008
O Dito de Anaximandro
Segundo de Hermann DIELS reza assim:
Mas, de onde as coisas têm o seu passar a ser, para aí vai também o seu deixar de ser, segundo a necessidade; pois elas pagam, umas às outras castigo e penitência pela sua impiedade, segundo o tempo estabelecido.
De todas as frases do sábio Anaximandro, eis que esta consegue atravessar o tempo, um período de 2 600 anos, e como uma flecha, chega até nós. Como se de um capricho do próprio tempo se tratasse, já que, no Dito, o tempo é o juiz que dita a sentença, relativamente a tudo, determinando o fim de todas as coisas e o seu regresso ao apeiron (ἂπειρον). E o tempo determinou que o livro cessasse mas que o Dito perdurasse, chegando até nós.
Muitas questões se podem levantar: porquê este fragmento e não outro? Por que razão haveria logo de ser um fragmento acerca do princípio e do fim de todas as coisas, viventes e não viventes? Será que o Dito assume um significado diferente, de acordo com a época em que é interpretado, à luz do tempo vivido?
Se a chegada do Dito até nós foi um acaso, e é o mais provável, então trata-se de um facto admirável. O Dito refere-se a uma ordem do Universo, a um modelo de cosmos. O que existe é algo que se liberta do apeiron por um grande ou pequeno instante, a ele regressando logo após o tempo estabelecido. Poderíamos recorrer à imagem de uma chama que se projecta da superfície de uma estrela, a ela regressando por não conseguir vencer a força da sua gravidade. E isso acontecendo vezes e vezes sem conta, num ciclo sem fim.
Regressaremos ao Dito.
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