
Heidegger, Martin (1946), "O Dito de Anaximandro" in Caminhos da Floresta, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, pág. 376.
Heidegger desabafa. Parece reclamar contra a ousadia da "madrugada" da filosofia, que teima em dirigir-nos a palavra, e logo a nós, "os rebentos mais tardios da filosofia". Mas não deixa de escutar a palavra que ecoa desde a origem dos tempos filosóficos - o Dito de Anaximandro - e procura nela um sentido que se aplique ao seu tempo que ainda é o nosso. Terá o Tempo ditado o fim da história e o regresso ao apeiron? A questão não é descabida, se considerarmos que foi colocada num momento em que o mundo de Heidegger acabara de ruir (1946), quando os escombros das cidades alemãs, resultantes de uma longa e intensa guerra, pareciam anunciar o fim de uma civilização e se adivinhava uma nova era de equilíbrios instáveis que facilmente poderiam conduzir à destruição nuclear generalizada.
E assim, o fim da esperança, o fim da história, é marcado por um retorno em direcção a "uma ordem uniforme cada vez mais desoladora". Curiosamente, a uniformidade aparece também ligada à ideia de fim da história em Fukuyama (1992), quando se refere à difusão mundial da democracia capitalista liberal enquanto estágio final de uma evolução que tendeu para uma espécie de homeostasia social.
Mas a última questão de Heidegger, reacende a possibilidade de continuidade da história, porque o Dito é apenas uma fresta através da qual se vislumbra o fim, mas não o futuro para além dele - o Dito não é tudo, há o não-dito que pode esconder o futuro (*). Por outras palavras, é aberta a hipótese de a história não estar encerrada numa uniformidade cada vez mais desoladora, sintoma do seu fim. E com efeito, quem ousa hoje afirmar, mesmo depois de Fukuyama o ter afirmado, que a história atingiu o seu termo?
(*) – O fim de uma Era marca o início de uma nova. A construção total (a criação) sucede à destruição total, e as cidades nascem sobre as cinzas das suas antecessoras, excepto as primeiras cidades.
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