terça-feira, agosto 10, 2010

Uma lição de Chesterton ou a Era dos Bezerros de Ouro

Nos tempos que correm, os mortais ocidentais agarram-se a todo o tipo de bizarrias - consomem todo o tipo de estranhas e velhas novidades, qualquer coisa que lhes aplaque a inquietação que lhes vai na alma - e apenas porque a sua referência, Deus, morreu. Deambulam assim perdidos e procuram agarrar-se a tudo o que lhes pareça uma bóia de salvação, um rochedo seguro entre as águas revoltas de um rio. Mas afinal tais bóias, tais rochedos - cedo descobrem surpreendidos -, são apenas meras ilusões. E são arrastados pelas águas, desesperados e perdidos, olhando em volta à procura, enquanto se aproximam rapidamente do mar que os há-de engolir.

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«People readily swallow the untested claims of this, that, or the other. It's drowning all your old rationalism and scepticism, it's coming in like a sea; and the name of it is superstition." He stood up abruptly, his face heavy with a sort of frown, and went on talking almost as if he were alone. "It's the first effect of not believing in God that you lose your common sense, and can't see things as they are. Anything that anybody talks about, and says there's a good deal in it, extends itself indefinitely like a vista in a nightmare. And a dog is an omen and a cat is a mystery and a pig is a mascot and a beetle is a scarab, calling up all the menagerie of polytheism from Egypt and old India; Dog Anubis and great green-eyed Pasht and all the holy howling Bulls of Bashan; reeling back to the bestial gods of the beginning, escaping into elephants and snakes and crocodiles; and all because you are frightened of four words: `He was made Man.'"»

Chesterton (1926)

Tradução:


«- As pessoas engolem de boa vontade afirmações sem provas disto, daquilo ou de outra coisa qualquer. É como um mar que avança e submerge todo o nosso velho racionalismo e cepticismo, é aquilo a que se chama superstição. – Levantou-se bruscamente, mostrando uma espécie de preocupação na expressão carregada do rosto, e continuou a falar como se estivesse a sós consigo mesmo. – O primeiro efeito de não acreditarmos em Deus é perdermos o senso comum e deixarmos de ser capazes de ver as coisas tal como elas são. Qualquer coisa que qualquer pessoa diga, e declare coisa corrente, ganha uma extensão indefinida como um panorama de pesadelo. E um cão é um portento, e um gato é um mistério, e um porco é um talismã, e um escaravelho é um deus, e temos de novo todo o jardim zoológico do politeísmo do Egipto e da velha Índia; o cão Anúbis e a Leoa Pachet e os clamorosos Touros de Bashan; eis de regresso os deuses bestiais do início, que se confundem com elefantes e serpentes e crocodilos; e tudo isto, porque nos assustam as palavras que dizem: “Ele fez-se Homem”.»

Chesterton citado por Slavoj Zizek, Violência, Relógio D’Água, 2008, pág. 160.

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