
Em determinadas circunstâncias de grande esforço vêm-me à cabeça essas primeiras palavras do poema de Lorca: “Que esforço! Que esforço do cavalo para ser cão!” (É que não está na natureza do cavalo ser um cão. Não se pode ensinar um cavalo a ser um cão. Só a morte os transforma, ou pode transformar um no outro. Porque na verdade, nada se perde, tudo se transforma e por isso nada morre. )
Dizem que o cavalo é o mais poderoso símbolo onírico da morte. É, curiosamente, por aí que o poeta começa.
Morte
Que esforço!
Que esforço do cavalo
para ser cão!
Que esforço do cão para ser andorinha!
Que esforço da andorinha para ser abelha!
Que esforço da abelha para ser cavalo!
E o cavalo,
que flecha aguda exprime da rosa!,
que rosa de cinza seu bafo levanta!
E a rosa,
que rebanho de alaridos e de luzes
ata ao vivo açúcar da sua haste!
E o açúcar
que punhais vai sonhando em vigília!
E os punhais,
que lua sem estábulos, que nudez,
pele eterna e rubor andam buscando!
E eu, pelos beirais,
Que serafim de chamas busco e sou!
Porém o arco de gesso,
que grande, e invisível, e diminuto,
sem nenhum esforço!
Garcia Lorca
(traduzido por Eugénio de Andrade, Poesia e Prosa [1940 – 1986], II Volume, 3ª edição aumentada, Circulo de Leitores.
Os poemas de Lorca são como os quadros do Dali. Os seus versos, por vezes, parecem sucessões de imagens surreais. Lorca é o surrealismo na poesia.
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