terça-feira, julho 10, 2012

Afinal, quando nasce a utopia?



Zygmunt Bauman, como é referido na contracapa de uma das suas obras, é “talvez o mais eloquente anatomista da modernidade e da pós-modernidade a escrever em inglês”. A sua análise das sociedades ocidentais modernas e pós-modernas num contexto de globalização é certeira e estamos em consonância com o que escreve no Tempos Líquidos  (2007). Nessa obra o sociólogo refere que as utopias são filhas da modernidade e cita o escritor Anatole France para depois o contraditar. Anatole France dizia que:

Sem as utopias de outras épocas, os homens ainda viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Foram os utopistas que traçaram as linhas da primeira cidade... Sonhos generosos geram realidades benéficas. A utopia é o princípio de todo progresso, e o ensaio de um futuro melhor.

É um raciocínio que concorda, por exemplo, com o de Fernando Pessoa - “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce”. Para a obra nascer é preciso que o homem sonhe. E para quem não creia em Deus, então que conceda apenas que o Homem sonha e a obra nasce. É que o sonho precede a obra, pois “o sonho comanda a vida” (António Gedeão, Pedra Filosofal). E que se saiba o Homem sonha desde que é Homem. E, diga-se de passagem, alguns animais que não o Homem também sonham, mas isso é outra história.
Mas regressando a Bauman, diz ele:

E, no entanto, ao contrário da opinião proclamada por Anatole France e com base no senso comum de seus contemporâneos, as utopias nasceram junto com a modernidade e só na atmosfera moderna puderam respirar.
Em primeiro lugar, uma utopia é uma imagem de outro universo, diferente daquele que conhecemos ou de que estamos a par. Além disso, ela prevê um universo originado inteiramente da sabedoria e devoção humanas. Mas a idéia de que os seres humanos podem substituir o mundo que é por outro diferente, feito inteiramente à sua vontade, era quase totalmente ausente do pensamento humano antes do advento dos tempos modernos. (Bauman, 2007: 102-103). [Os itálicos são nossos].

A utopia enquanto imaginação de uma sociedade ideal criada inteiramente pelo Homem "era quase totalmente ausente do pensamento humano antes do advento dos tempos modernos"? É uma afirmação questionável. Na Antiguidade, não formula Platão uma utopia na sua República? E a Cidade de Deus, de Santo Agostinho, não é utópica? A própria Utopia de Thomas More foi publicada em 1516.

E se alargarmos o conceito não a sociedades mas a lugares idealizados pelo Homem, então temos de considerar, o Paraíso, a Terra Prometida e a Ilha dos Amores, como exemplos pré-modernos de lugares supostamente ideais que não têm lugar neste mundo. 

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Referência:

Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de Janeiro. 

Sobre utopias:

Lewis Mumford (2007), História das Utopias. Antígona. Lisboa

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