Zygmunt
Bauman, como é referido na contracapa de uma das suas obras, é “talvez o mais
eloquente anatomista da modernidade e da pós-modernidade a escrever em inglês”.
A sua análise das sociedades ocidentais modernas e pós-modernas num contexto de
globalização é certeira e estamos em consonância com o que escreve no Tempos
Líquidos (2007). Nessa obra o sociólogo refere que as utopias são filhas da
modernidade e cita o escritor Anatole France para depois o
contraditar. Anatole France dizia que:
Sem as utopias de outras épocas, os homens
ainda viveriam em cavernas, miseráveis e nus. Foram os utopistas que traçaram
as linhas da primeira cidade... Sonhos generosos geram realidades benéficas. A
utopia é o princípio de todo progresso, e o ensaio de um futuro melhor.
É um raciocínio que concorda,
por exemplo, com o de Fernando Pessoa - “Deus quer, o Homem sonha, a obra
nasce”. Para a obra nascer é preciso que o homem sonhe. E para quem não creia
em Deus, então que conceda apenas que o Homem sonha e a obra nasce. É que o
sonho precede a obra, pois “o sonho comanda a vida” (António Gedeão, Pedra
Filosofal). E que se saiba o Homem sonha desde que é Homem. E, diga-se de
passagem, alguns animais que não o Homem também sonham, mas isso é outra
história.
Mas
regressando a Bauman, diz ele:
E, no entanto, ao
contrário da opinião proclamada por Anatole France e com base no senso comum de
seus contemporâneos, as utopias nasceram junto com a modernidade e só
na atmosfera moderna puderam respirar.
Em primeiro lugar, uma
utopia é uma imagem de outro universo, diferente daquele que conhecemos ou de
que estamos a par. Além disso, ela prevê um universo originado inteiramente da
sabedoria e devoção humanas. Mas a idéia de que os seres humanos podem
substituir o mundo que é por outro diferente, feito inteiramente à sua vontade,
era quase totalmente ausente do pensamento humano antes do advento dos tempos
modernos. (Bauman, 2007: 102-103). [Os itálicos são nossos].
A
utopia enquanto imaginação de uma sociedade ideal criada inteiramente pelo
Homem "era quase totalmente ausente do pensamento humano antes do
advento dos tempos modernos"? É uma afirmação questionável. Na
Antiguidade, não formula Platão uma utopia na sua República? E a Cidade
de Deus, de Santo Agostinho, não é utópica? A própria Utopia de Thomas More foi publicada em 1516.
E
se alargarmos o conceito não a sociedades mas a lugares idealizados pelo Homem, então temos
de considerar, o Paraíso, a Terra Prometida e a Ilha dos Amores, como exemplos pré-modernos de lugares supostamente ideais que não têm lugar neste mundo.
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Referência:
Zygmunt Bauman (2007). Tempos Líquidos. Zahar, Rio de
Janeiro.
Sobre utopias:
Lewis Mumford (2007), História das Utopias. Antígona. Lisboa