domingo, setembro 30, 2012

Enquanto dormimos vamos sendo despojados


«à vista de um país que ardeu como nunca, atiçado pelos eucaliptais, pretende [o Governo] abrir às celuloses as zonas de Reserva Agrícola Nacional, que elas há tanto tempo cobiçam; e que se prepara para, de forma cobarde e sinuosa, entregar a Reserva Ecológica Nacional à especulação imobiliária, começando por dispersar a respectiva lei por várias outras leis (cada uma das quais abrindo excepções e alçapões à medida), e por dispensar de autorização, para já, as “pequenas construções” de “apoio agrícola” e etc. (o que rapidamente se traduzirá em golfes, aldeamentos turísticos, juro-vos eu).»

Miguel Sousa Tavares, “Yale, Campo de Ourique”, Expresso, 29 de Setembro de 2012

Na sanha de tudo vender, tudo privatizar, tudo tornar mercadoria, o Governo vira-se agora para as reservas de território que permaneciam relativamente incólumes e protegidas da voracidade da especulação: a reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional. O território que se reservava à agricultura e ao ambiente é agora entregue aos amigos das celuloses e aos dos campos de golfe. Um verdadeiro governo ao serviço das grandes interesses empresariais e especulativos, contra os cidadãos, avança com a neoliberalização do território, de forma cobarde e insidiosa.


Este Governo não teve coragem, por exemplo, de fazer uma verdadeira reforma administrativa que reduzisse efectivamente o número de concelhos. No século XIX, em 1836 o Governo de então, com muito menos meios, foi mais audaz, ambicioso e eficaz, realizando uma verdadeira reforma administrativa que implicou a redução do número de concelhos – de 800 passaram para 385 - numa época em que as acessibilidades eram muito inferiores às actuais, os automóveis ainda não existiam, e Portugal rural era muito mais povoado. O actual Governo limitou-se a encerrar algumas freguesias e não teve coragem para enfrentar o lobby dos autarcas, não ousando tocar nas suas nomenklaturas locais, perante as quais cedeu.

Em relação às fundações, também as nomenklaturas partidárias e dos amigos, familiares e enteados falaram mais alto e a montanha pariu um rato: eliminaram-se apenas três ou quatro fundações, quando simplesmente se impunha o encerramento de todas as fundações públicas ineficazes e sorvedoras de dinheiros públicos e a cessação de transferências do Estado para as fundações privadas.

Enfim, tudo isto nos mostra que esta gente não vai reformar coisa nenhuma, vai antes saquear o que puder. Nesse aspecto, para eles, “Portugal ainda é um rectângulo com muito potencial.” (Clara Ferreira Alves, Eixo do Mal, 29/09/2012)

Etiquetas