«à vista de um país que ardeu como nunca, atiçado pelos eucaliptais,
pretende [o Governo] abrir às celuloses as zonas de Reserva Agrícola Nacional,
que elas há tanto tempo cobiçam; e que se prepara para, de forma cobarde e
sinuosa, entregar a Reserva Ecológica Nacional à especulação imobiliária,
começando por dispersar a respectiva lei por várias outras leis (cada uma das
quais abrindo excepções e alçapões à medida), e por dispensar de autorização,
para já, as “pequenas construções” de “apoio agrícola” e etc. (o que rapidamente
se traduzirá em golfes, aldeamentos turísticos, juro-vos eu).»
Miguel Sousa Tavares, “Yale,
Campo de Ourique”, Expresso, 29 de
Setembro de 2012
Na sanha de tudo vender, tudo
privatizar, tudo tornar mercadoria, o Governo vira-se agora para as reservas de
território que permaneciam relativamente incólumes e protegidas da voracidade
da especulação: a reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional. O território
que se reservava à agricultura e ao ambiente é agora entregue aos amigos das
celuloses e aos dos campos de golfe. Um verdadeiro governo ao serviço das
grandes interesses empresariais e especulativos, contra os cidadãos, avança com
a neoliberalização do território, de forma cobarde e insidiosa.
Este Governo não teve coragem,
por exemplo, de fazer uma verdadeira reforma administrativa que reduzisse
efectivamente o número de concelhos. No século XIX, em 1836 o Governo de então,
com muito menos meios, foi mais audaz, ambicioso e eficaz, realizando uma
verdadeira reforma administrativa que implicou a redução do número de concelhos
– de 800 passaram para 385 - numa época em que as acessibilidades eram muito
inferiores às actuais, os automóveis ainda não existiam, e Portugal rural era muito
mais povoado. O actual Governo limitou-se a encerrar algumas freguesias e não teve
coragem para enfrentar o lobby dos
autarcas, não ousando tocar nas suas nomenklaturas
locais, perante as quais cedeu.
Em relação às fundações, também
as nomenklaturas partidárias e dos amigos,
familiares e enteados falaram mais alto e a montanha pariu um rato:
eliminaram-se apenas três ou quatro fundações, quando simplesmente se impunha o
encerramento de todas as fundações públicas ineficazes e sorvedoras de dinheiros
públicos e a cessação de transferências do Estado para as fundações privadas.
Enfim, tudo isto nos mostra que esta
gente não vai reformar coisa nenhuma, vai antes saquear o que puder. Nesse
aspecto, para eles, “Portugal ainda é um rectângulo com muito potencial.”
(Clara Ferreira Alves, Eixo do Mal, 29/09/2012)