quinta-feira, janeiro 31, 2013

A euforia dos insensatos


Leio o Expresso do último sábado aos pingos ao longo da semana, que os trabalhos e os dias não permitem leituras mais demoradas e, quase surpreso, deparo a páginas tantas, lá mais para o fundo do jornal, com a euforia mal contida de alguns opinion makers de serviço. Parece que o regresso antecipado aos mercados deixou as suas marcas nesta gente. Um dos escribas – o Martim Figueiredo - tece agora loas ao Chile, imaginem só. Que aquilo é que é um país onde brota o leite e o mel por todo o lado, uma autêntica terra prometida onde todos adoram viver. Fosse Portugal o Chile, e os nossos dirigentes clones de José Piñera, nada mais, nada menos, do que o Ministro do Trabalho do ditador Pinochet e Portugal seria “um dos países mais competitivos do mundo”. Mas, para mal dos pecados do escriba, ninguém tem a “têmpera” de um tal ministro neste país. O opinion maker lá refere no entanto que no Chile “os mais favorecidos são ainda 14 vezes mais ricos do que os menos favorecidos”. Não sei onde foi buscar este número, mas se consultarmos o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011 disponível no portal do PNUD, podemos verificar na tabela 3, página 155 que o Chile detém um dos mais elevados valores do Índice de Gini do mundo – um indicador que mede a desigualdade de rendimentos entre ricos e pobres – que é, nesse país, de 52,1 (a título de exemplo mencione-se que o mais elevado valor registado ocorre no Haiti, 59,5 e o mais baixo na Suécia, 25; em Angola é só 58,6). É justo, pensará o escriba. É o preço da “liberdade para escolher”. Uns têm e outros não, ora essa. E viva o neoliberalismo, que regressámos aos mercados! E viva o Chile! E viva o Haiti! E viva Angola! Mas quando é que Portugal se torna um destes paraísos? Muito tempo não há de faltar.

Mais adiante, encontro outro escriba habitual, lá nos fundos da revista – o Henrique Monteiro, na sua crónica do Comendador Marques Correia – num tom jocoso, irónico e de regozijo, a gozar com o discurso anti-neoliberal, anti-mercados, anti-capitalista. Afinal o euro agora está forte frente ao dólar e a taxa de juro da dívida pública a 10 anos a descer para a casa dos 5% e por isso estamos safos, julgará ele pela forma como escreve. O capitalismo está salvo! E viva o neoliberalismo uma vez mais, que agora regressámos aos mercados. Agora é que é, e lá está a luz ao fundo do túnel. Será um comboio?

Como se a taxa de juro da dívida pública a 10 anos descesse para todo o sempre e o euro se reforçasse em relação ao dólar para todo o sempre.

Onde está a insensatez nestas posições?

Se alguma coisa aprendi neste jogo, é que os mercados financeiros são volúveis. Governar países com a preocupação de agradar aos mercados significa governar para o curto prazo, significa o sacrifício do futuro, porque a ambição de quem especula nos mercados é ver ganhos imediatos, custe o que custar.

Mas enfim, as cotações estão em alta! Está tudo “no verde”! Eia! Vivam os mercados! Viva o Chile! Viva o Piñera do Pinochet! E, ui ui o neoliberalismo, que mau que ele é, gozam jocosamente.

Amanhã, quando as tendências se inverterem, quando as cotações estiverem “no vermelho” e os juros da dívida tornarem a subir, cá estarei para os ouvir cantar.

A tempestade ainda não passou, nem vai passar tão cedo.

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