Leio o Expresso do último sábado aos pingos ao longo da semana, que os
trabalhos e os dias não permitem leituras mais demoradas e, quase surpreso,
deparo a páginas tantas, lá mais para o fundo do jornal, com a euforia mal
contida de alguns opinion makers de
serviço. Parece que o regresso antecipado aos mercados deixou as suas marcas
nesta gente. Um dos escribas – o Martim Figueiredo - tece agora loas ao Chile,
imaginem só. Que aquilo é que é um país onde brota o leite e o mel por todo o
lado, uma autêntica terra prometida onde todos adoram viver. Fosse Portugal o
Chile, e os nossos dirigentes clones de José Piñera, nada mais, nada menos, do
que o Ministro do Trabalho do ditador Pinochet e Portugal seria “um dos países
mais competitivos do mundo”. Mas, para mal dos pecados do escriba, ninguém tem
a “têmpera” de um tal ministro neste país. O opinion
maker lá refere no entanto que no Chile “os mais favorecidos são ainda 14
vezes mais ricos do que os menos favorecidos”. Não sei onde foi buscar este
número, mas se consultarmos o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2011
disponível no portal do PNUD, podemos verificar na tabela 3, página 155 que o
Chile detém um dos mais elevados valores do Índice de Gini do mundo – um indicador
que mede a desigualdade de rendimentos entre ricos e pobres – que é, nesse país, de 52,1 (a
título de exemplo mencione-se que o mais elevado valor registado ocorre no
Haiti, 59,5 e o mais baixo na Suécia, 25; em Angola é só 58,6). É justo,
pensará o escriba. É o preço da “liberdade para escolher”. Uns têm e outros
não, ora essa. E viva o neoliberalismo, que regressámos aos mercados! E viva o
Chile! E viva o Haiti! E viva Angola! Mas quando é que Portugal se torna um
destes paraísos? Muito tempo não há de faltar.
Mais adiante, encontro outro
escriba habitual, lá nos fundos da revista – o Henrique Monteiro, na sua
crónica do Comendador Marques Correia
– num tom jocoso, irónico e de regozijo, a gozar com o discurso anti-neoliberal,
anti-mercados, anti-capitalista. Afinal o euro agora está forte frente ao dólar
e a taxa de juro da dívida pública a 10 anos a descer para a casa dos 5% e por
isso estamos safos, julgará ele pela forma como escreve. O capitalismo está
salvo! E viva o neoliberalismo uma vez mais, que agora regressámos aos
mercados. Agora é que é, e lá está a luz ao fundo do túnel. Será um comboio?
Como se a taxa de juro da dívida
pública a 10 anos descesse para todo o sempre e o euro se reforçasse em relação
ao dólar para todo o sempre.
Onde está a insensatez nestas
posições?
Se alguma coisa aprendi neste
jogo, é que os mercados financeiros são volúveis. Governar países com a preocupação
de agradar aos mercados significa governar para o curto prazo, significa o
sacrifício do futuro, porque a ambição de quem especula nos mercados é ver
ganhos imediatos, custe o que custar.
Mas enfim, as cotações estão em
alta! Está tudo “no verde”! Eia! Vivam os mercados! Viva o Chile! Viva o Piñera
do Pinochet! E, ui ui o neoliberalismo, que mau que ele é, gozam jocosamente.
Amanhã, quando as tendências se
inverterem, quando as cotações estiverem “no vermelho” e os juros da dívida
tornarem a subir, cá estarei para os ouvir cantar.
A tempestade ainda não passou,
nem vai passar tão cedo.