domingo, abril 21, 2013

Consenso. A questão é a Constituição.


Ouvimos o Professor Daniel Bessa e também lemos Henrique Monteiro, quando muito se fala em “consenso” no palco da política nacional.

Perguntamo-nos: mas consenso para quê? O que pretendem com o tão almejado “consenso” aqueles que agitam essa palavra, como se tratasse de uma bandeira branca? Porquê agora?

Parece óbvio que o Governo foi empurrado para a procura de “consenso” pelos credores internacionais, porque no horizonte se divisam nuvens de tempestade política, e também porque, doutra forma, não será possível reformar o Estado a contento de quem o governa, dos credores e doutros que defendem uma profunda reforma. Uma reforma que implique o abandono de funções que até agora têm sido asseguradas pelo Estado.

No dia 17 de Abril, quando o Conselho de Ministros reunia noite dentro, o economista Daniel Bessa afirmava o seguinte na RTP, no comentário “360º” que sucede ao Telejornal:

“Há uma coisa em que todos estamos de acordo: um Estado não se reforma, digamos assim, em meia dúzia de dias, ou em meia dúzia de semanas, ou sequer em meia dúzia de meses. Reduzir despesa, pode-se reduzir. Uma reforma de um Estado é uma operação muito complexa. Eu não posso olhar para a reforma do Estado dizendo, agora vou cortar um bocado na saúde, mais um bocado na educação, mais um bocado nos transportes, mais um bocado nas reformas, somo isso tudo e vai dar...Isso não pode ser resolvido assim. Eu penso que isso tem que ser resolvido de uma forma mais séria, olhando para a totalidade das funções do Estado, e resolvendo de uma vez por todas, quais são aquelas que o Estado continua a realizar e quais são aquelas que abandona. E portanto não é uma questão de cortar aos bocadinhos e às pinguinhas sobre as funções todas, é uma questão que nos leva muito mais longe, nomeadamente à Assembleia da República, sobre quais são as funções em que o Estado pode continuar a desenvolver e aquelas em que tem de recuar.”

Daniel Bessa, "360º", RTP1

Daniel Bessa tem razão: para uma reforma como a que sugere, será necessário levar a questão à Assembleia da República. Será necessário rever a Constituição,  e isso não se faz “em meia dúzia de semanas”. É preciso tempo e é preciso consenso. Um consenso que abarque pelo menos dois terços da assembleia. Ora aí está a razão pela qual vêm agora acenar com o consenso. Consenso para que se proceda à privatização de funções que o Estado, segundo esta gente, não pode assegurar. Pois privatizem tudo, como dizia Saramago

No dia seguinte Miguel Poiares Maduro na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, profere a palavra "consenso", 12 vezes!


A questão é a Constituição. Henrique Monteiro, no Expresso de 20 de Abril, nas entrelinhas, lá vai exprimindo esta ideia. Diz ele que “Já muitas vezes, talvez demasiadas, aqui escrevi que é indispensável um acordo entre o PSD e o PS para que este país tenha reformas a sério. (…) A reforma do país – e não me refiro apenas às contas, ao défice, à dívida, mas a vários aspectos, da saúde, pensões, educação, ciência, à defesa, segurança, relações externas, ou seja, a todas as funções do Estado, sejam ou não sociais – carece de muitos anos durante os quais não estará no poder apenas Passos Coelho ou apenas o seu partido. Além de que – e nisso confesso que também sou insistente – a Constituição vai ter que ser revista (ou deixada num limbo em que para nada serve) e a organização política e administrativa do país vai ter que mudar” (destaque nosso). E mais adiante, no mesmo artigo: “É fundamental que ambos os partidos [PSD e PS] se situem dentro do mesmo campo de jogo para que possam fazer o jogo democrático; se situem naquilo que se chama chão comum da política”.

Henrique Monteiro não especifica o que entende por “reformas a sério”, mas calculamos o que quer significar com essa expressão: a privatização de funções até aqui asseguradas pelo Estado, que só não se fazem porque não há consenso para mudar a Constituição. E na última página da Revista do mesmo Expresso, o seu personagem, o comendador Marques Correia, lá satiriza a actual Constituição, essa chatice.

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