Ouvimos o
Professor Daniel Bessa e também lemos Henrique Monteiro, quando muito se fala
em “consenso” no palco da política nacional.
Perguntamo-nos: mas consenso para
quê? O que pretendem com o tão almejado “consenso” aqueles que agitam essa
palavra, como se tratasse de uma bandeira branca? Porquê agora?
Parece óbvio que o Governo foi
empurrado para a procura de “consenso” pelos credores internacionais, porque no
horizonte se divisam nuvens de tempestade política, e também porque, doutra
forma, não será possível reformar o Estado a contento de quem o governa, dos
credores e doutros que defendem uma profunda reforma. Uma reforma que implique o abandono de
funções que até agora têm sido asseguradas pelo Estado.
No dia 17 de Abril, quando o
Conselho de Ministros reunia noite dentro, o economista Daniel Bessa afirmava o
seguinte na RTP, no comentário “360º” que sucede ao Telejornal:
“Há uma coisa em que todos estamos de acordo: um Estado não se reforma,
digamos assim, em meia dúzia de dias, ou em meia dúzia de semanas, ou sequer em
meia dúzia de meses. Reduzir despesa, pode-se reduzir. Uma reforma de um Estado
é uma operação muito complexa. Eu não posso olhar para a reforma do Estado
dizendo, agora vou cortar um bocado na saúde, mais um bocado na educação, mais
um bocado nos transportes, mais um bocado nas reformas, somo isso tudo e vai
dar...Isso não pode ser resolvido assim. Eu
penso que isso tem que ser resolvido de uma forma mais séria, olhando para a
totalidade das funções do Estado, e resolvendo de uma vez por todas, quais são
aquelas que o Estado continua a realizar e quais são aquelas que abandona.
E portanto não é uma questão de cortar aos bocadinhos e às pinguinhas sobre as
funções todas, é uma questão que nos
leva muito mais longe, nomeadamente à Assembleia da República, sobre quais
são as funções em que o Estado pode continuar a desenvolver e aquelas em que
tem de recuar.”
Daniel Bessa, "360º",
RTP1
Daniel Bessa tem razão: para uma
reforma como a que sugere, será necessário levar a questão à Assembleia da
República. Será necessário rever a Constituição, e isso
não se faz “em meia dúzia de semanas”. É preciso tempo e é preciso consenso. Um
consenso que abarque pelo menos dois terços da assembleia. Ora aí está a razão
pela qual vêm agora acenar com o consenso. Consenso para que se proceda à
privatização de funções que o Estado, segundo esta gente, não pode assegurar. Pois privatizem tudo, como dizia Saramago.
No dia seguinte Miguel Poiares Maduro na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, profere a palavra "consenso", 12 vezes!
No dia seguinte Miguel Poiares Maduro na conferência de imprensa do Conselho de Ministros, profere a palavra "consenso", 12 vezes!
A questão é a Constituição. Henrique
Monteiro, no Expresso de 20 de Abril, nas entrelinhas, lá vai exprimindo esta ideia. Diz
ele que “Já muitas vezes, talvez
demasiadas, aqui escrevi que é indispensável um acordo entre o PSD e o PS para
que este país tenha reformas a sério.
(…) A reforma do país – e não me refiro apenas às contas, ao défice, à dívida,
mas a vários aspectos, da saúde, pensões, educação, ciência, à defesa,
segurança, relações externas, ou seja, a todas as funções do Estado, sejam ou
não sociais – carece de muitos anos durante os quais não estará no poder apenas
Passos Coelho ou apenas o seu partido. Além de que – e nisso confesso que
também sou insistente – a Constituição
vai ter que ser revista (ou deixada num limbo em que para nada serve) e a
organização política e administrativa do país vai ter que mudar” (destaque
nosso). E mais adiante, no mesmo artigo: “É
fundamental que ambos os partidos [PSD e PS] se situem dentro do mesmo campo de
jogo para que possam fazer o jogo democrático; se situem naquilo que se chama
chão comum da política”.
Henrique Monteiro não especifica
o que entende por “reformas a sério”, mas calculamos o que quer significar com essa
expressão: a privatização de funções até aqui asseguradas pelo Estado, que só
não se fazem porque não há consenso para mudar a Constituição. E na última página da Revista do
mesmo Expresso, o seu personagem, o comendador Marques Correia, lá satiriza a actual
Constituição, essa chatice.
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