Um dos Saios, nossos inimigos, regozija-se agora com o meu escudo, arma
impecável que sem querer deixei ficar num matagal. No entanto escapei à morte,
que é o fim de tudo. Quero lá saber deste escudo! Comprarei outro melhor.
A deliciosa mescla do moderno
humor naturalista (alheio a qualquer tipo de ilusões, e segundo o qual até um herói
só tem uma vida para perder) com a nobre ressonância da retórica épica, que nos
fala de “arma impecável” e da morte que “é o fim de tudo”, é fonte inesgotável
de efeitos cómicos. Protegido por eles, o esforçado desertor pode aventurar a
sua insolente conclusão e afirmar com sinceridade desconcertante:
Comprarei outro melhor! Que é um escudo afinal, senão um pedaço de pele
de boi curtida, com uns adornos de metal brilhante!»
Werner Jaeger, Paidéia, A Formação do Homem Grego,
Martins Fontes, 2003, pp 152-153.
***
Arquíloco também tem o seu general
modelo, e com a mesma “sinceridade desconcertante” afirma:
“Não gosto de um general alto, nem de pernas bem abertas, nem orgulhoso
com os anéis do seu cabelo, nem barbeado. Para mim, quero um que seja pequeno e
de pernas tortas, que mexa os pés com firmeza, e cheio de coragem.”
Arquíloco de Paros, séc.
VII a. C.
in Maria Helena da Rocha Pereira
(org.) - Hélade, Antologia da Cultura
Grega, 8.ª edição, Edições Asa, 2003, pág. 125
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