Parece
que os lobos de Yellowstone interferem com a geografia física do lugar. É esta
a conclusão que Sir David Attenborough nos transmite no excelente excerto do documentário entretanto colocado em destaque no blogue O Vento que Passa. Já tinha
lido sobre o efeito da recuperação dos lobos nos ecossistemas, num recente livrinho de Hubert Reeves que já aqui foi destacado, mas a notícia de que a própria geografia
física - o comportamento dos rios, por exemplo - se alterou pelo efeito da reintrodução dos lobos no Parque, é surpreendente.
Fica
aqui também o excerto do excelente documentário e logo abaixo um trecho do texto de
Hubert Reeves, que explica os efeitos da reintrodução do lobo no Parque de Yellowstone
(E.U.A).
«Não se pode viver com os lobos», repetem, há muito tempo, os seres humanos que são confrontados com a sua presença. Em 813, Carlos Magno cria a Companhia da Caça ao Lobo para proceder à sua erradicação. Todos os meios são bons para os matar: armadilhas, veneno, massacre dos recém-nascidos nos covis, espingardas. São oferecidos prémios cada vez mais elevados pelas suas orelhas.
No princípio do século XX os lobos foram,
efectivamente, eliminados no oeste dos Estados Unidos. Colocou-se,
imediatamente a seguir, o problema da proliferação de coiotes. Tentou-se
remediar o assunto aperfeiçoando programas de quotas. Resultado: assistiu-se a
uma multiplicação de raposas, que eram a sua presa favorita e rapidamente se
tornaram uma séria ameaça para as aves aquáticas. Em consequência da informação
retirada destas experiências, foi reintroduzida, há alguns anos, no Parque de Yellowstone,
na Califórnia, uma vintena de lobos provenientes do Canadá. Os efeitos que essa
reintrodução teve sobre a fauna e sobre a flora foram altamente benéficos.
Constatou-se, primeiro, uma diminuição do número de uapitis, um grande veado
cujo excesso de população causava graves danos à natureza. Numerosas plantas,
em particular os álamos, cujos jovens rebentos eram roídos em quantidades
excessivas por aqueles animais, reapareceram nos vales. As flores da montanha
multiplicam-se de novo nos outeiros, aos quais atraem numerosas borboletas para
lhes sugar o pólen. Faz-se ouvir, novamente, o chilrear de várias espécies de
aves que há muito se não ouviam. E os castores, que tinham desertado do parque
– provavelmente por causa da ausência das suas plantas favoritas - voltaram a
construir diques, graças aos quais numerosos organismos aquáticos
ressuscitaram.
Isto não é um milagre. Esta
reintrodução do lobo constitui, de algum modo, uma exibição da força da
natureza. Demonstra a importância da noção de escala de predação. Numa natureza
em equilíbrio, as espécies são, simultaneamente, presas e consumidoras. O
coelho bravo, que devora os prados, pode-se tornar, de um instante para o
outro, vítima da raposa. O gavião captura um melro, que comia minhocas, que se
alimentavam de folhas secas. No decurso de milhões de anos de evolução criou-se
uma hierarquia, na qual cada espécie forma uma malha da cadeia alimentar. No
topo estão os grandes predadores: aves de rapina, lobos e grandes felinos.
A eliminação destes predadores pela
actividade humana - caça ou ocupação do território - perturba gravemente as
interacções. Tendo tomado conhecimento da sua importância para a saúde da
natureza, da qual dependemos, há que intervir. Essa responsabilidade é-nos
imposta pelo exemplo da experiência de Yellowstone.»
Hubert
Reeves, Onde Cresce o Perigo Surge Também
a Salvação,Gradiva. 2014. págs. 111-112.