A arte da política, se for democrática, é a arte de desmontar os
limites à liberdade dos cidadãos; mas é também a arte da autolimitação: a de
libertar os indivíduos para capacitá-los a traçar, individual e coletivamente,
seus próprios limites individuais e coletivos. Esta segunda característica foi
praticamente perdida. Todos os limites
estão fora dos limites.
(…)
Os poderes mais poderosos fluem ou flutuam e as decisões mais decisivas
são tomadas num espaço distante da ágora ou mesmo fora do espaço público
politicamente institucionalizado; para as instituições políticas do dia elas
estão realmente fora dos limites e fora de controle.
Zygmunt Bauman, Em busca da Política, Zahar Editores,
2000, (na Introdução)
Lamenta-se Pacheco, no Abrupto,
da perda da independência, da perda da soberania, da perda da democracia (não
se lamenta, curiosamente, da perda da política). Parece ter tido um rebate,
apercebendo-se, só agora, da nova realidade em que vivemos mergulhados e para a
qual já alguns cientistas sociais, como Zygmunt Bauman, já nos tinham alertado.
Os tempos são efectivamente novos. Os tempos são pós-democráticos e o poder já
não mora aqui. Os portugueses, na sua generalidade, não se aperceberam ainda – continuam
a votar no passado (ainda e sempre presos nos “labirintos da saudade”, quem
sabe?). Foi assim nestas eleições presidenciais: o candidato vencedor tem
raízes num Estado que de Novo, só o nome tem. É uma coisa de antanho, que nos
tem acompanhado quase quotidianamente, na rádio e na TV.
Ontem Guterres acabou, sem querer, por emitir um paradoxo, ao
desejar que "o país, agora que todos
os actos eleitorais estão concluídos, entre em plena normalidade democrática."
Mas, perguntamos nós, há algo mais normal numa democracia do que a ocorrência de eleições? Pelo
contrário, actualmente o acto eleitoral parece ser o único momento de
normalidade democrática nesta nova realidade pós-democrática e
pós-política em que vivemos. Com efeito, a única situação em que a democracia
se manifesta com toda a sua normalidade é durante os actos eleitorais. Depois
das eleições, a dita “normalidade democrática” desaparece, pois como refere
Bauman, os poderes decisórios encontram-se num “espaço distante da ágora ou mesmo fora do espaço público politicamente
institucionalizado”, muito para além, portanto, do alcance dos eleitores e
dos seus legítimos representantes.
Em suma, vivemos uma fachada democrática. O tempo
da “normalidade democrática” a que Guterres se refere, é um faz de conta.
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