O último teste para esta projecção da Terra-mãe na totalidade mundana começou com a crise ecológica da Terra, que é, simultaneamente, a primeira crise da humanidade. Esta crise actual da mundaneidade vai mais fundo do que as que surgiram sob a pressão das religiões de redenção e da antiga apocalíptica. Porque para a humanidade actual torna-se, pela primeira vez, verdadeiramente visível na sua totalidade a sua casa comum real no momento da sua destruição. Na tentativa dos povos de mudarem para ela, descobrem-na como algo que já está inexoravelmente em vias de devastação. Esta crise da mundaneidade põe à partida em questão o poder-ser-casa da Terra e o poder habitar da humanidade.
Peter Sloterdijk, O Estranhamento do Mundo, Relógio D’Água.
2008. Pág. 218.
***
Suprema ironia. No preciso
momento em que, pela primeira vez, vislumbramos o planeta que nos acolhe, na sua
totalidade, tomamos consciência da devastação que o consome e que nos poderá
vir a consumir. É como se acordássemos subitamente, sobressaltados, numa casa
em chamas. É preciso fazer algo para nos salvarmos e salvarmos o lar “que já está inexoravelmente em vias de
devastação”.
Suprema ironia. Quando dormíamos, o nosso sono era reparador e profundo, alheio a todos os perigos. Foi preciso acordar para nos apercebermos da nossa fragilidade e dos efeitos secundários dos actos que cometíamos enquanto sonâmbulos. Agora toda a Terra é a nossa circunstância, sem a qual não há Eu que resista. Vivemos também uma crise de mundaneidade (e não só ecológica), pois só quando o Homem vislumbra a Terra na sua totalidade se apercebe da própria Humanidade que o planeta encerra. Não é apenas a Terra que é vislumbrada na sua totalidade, mas também a Ecúmena.
Suprema ironia. Quando dormíamos, o nosso sono era reparador e profundo, alheio a todos os perigos. Foi preciso acordar para nos apercebermos da nossa fragilidade e dos efeitos secundários dos actos que cometíamos enquanto sonâmbulos. Agora toda a Terra é a nossa circunstância, sem a qual não há Eu que resista. Vivemos também uma crise de mundaneidade (e não só ecológica), pois só quando o Homem vislumbra a Terra na sua totalidade se apercebe da própria Humanidade que o planeta encerra. Não é apenas a Terra que é vislumbrada na sua totalidade, mas também a Ecúmena.
Poderíamos colocar aqui algumas objecções
ao parágrafo do Sloterdijk: quão inexorável é esse processo de devastação? “Inexorável”
é uma palavra forte, em rota de colisão com a nossa civilização que teima em resistir
e em confrontar tudo quanto é desafio, em particular os desafios que ameaçam a sua
própria existência. Será assim tão inexorável a devastação ao ponto de ser
irreversível? Logo agora que tomámos consciência da devastação, é tarde demais
para agir? Neste momento em que acordámos, vamos já assumir que o planeta “está inexoravelmente em vias de devastação”?
Ou estaremos negação, não querendo assumir a inexorabilidade de um apocalipse?
Só um deus pode salvar-nos, disse
um filósofo do pessimismo. Pessimismo ou realismo?
A última frase do parágrafo é
muito questionável num dos seus termos: não é “o poder-ser-casa” da Terra que
está em questão. A Terra já deu provas do seu “poder-ser-casa”. O que está em
causa é o poder habitar da Humanidade.
O que está em causa é o habitante e não a casa. A casa, para dizer a verdade,
já teve outros habitantes, noutras circunstâncias.
Sem comentários:
Enviar um comentário