sexta-feira, abril 10, 2020

Passeio higiénico em retirada


Os passeios higiénicos, esporádicos, converteram-se em rápidas retiradas de meia-hora em direcção ao bunker caseiro. Passeios tristes, passeios vazios pelas ruas quase desertas.

Hoje vi avós à janela no rés-do chão a conversarem com a pequena neta acompanhada pelos pais. O casal e a filha estavam encostados ao automóvel de porta aberta frente à janela. Conviviam assim. Próximos, mas cautelosamente distanciados, a dois metros da janela. Não queriam aproximar-se mais. Havia risos que ecoavam na rua vazia vindos dali. A alegria dos avós, dos pais e da neta. Mais adiante, noutra rua, deparei-me com uma cena idêntica.

Maldito vírus que impõe distâncias entre os entes mais queridos. Maldito vírus que nos tolhe a liberdade.

Vi também papoilas cujas pétalas eram de um vermelho muito vivo. Cresciam junto à base de um sinal de trânsito, no meio do estreito passeio que acompanha a via rápida. Cruzei-me também com um sem-abrigo, um jovem muito envelhecido, encurvado e cabisbaixo. Pressentia-se o sofrimento.

Não me cruzei com mais ninguém.

Regressei a casa.

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