Não conhecia a 7ª Sinfonia de Shostakovich. Ouvi-a, enquanto
pintava as paredes de um sótão infinito, no programa Véu Diáfano, na Antena 2, de Pedro Amaral. Apanhei o primeiro andamento em andamento, quando
liguei um velho rádio e nele reconheci logo os sons de uma marcha bélica – a loucura
da guerra estava ali. (Excelente programa! Excelente Antena 2! O que se aprende
ali.) Vim pouco depois a saber que se tratava da 7ª Sinfonia de Shostakovich, composta
em Leninegrado durante o cerco das tropas alemãs, como bem explica Pedro Amaral.
Tenho ouvido o primeiro andamento desde então, e tem sido uma descoberta. A 7ª
Sinfonia de Shostakovich, "Leninegrado", está cheia de referências
sarcásticas, mordazes, irónicas e amargas, composições distorcidas de outros
compositores muito apreciados pelos nazis e especificamente por Adolf Hitler. Pedro Amaral refere que nos sons de Shostakovich
se encontra uma “citação” à opereta A Viúva Alegre, de Franz Lehar. Um sarcasmo
de Shostakovich, pois a composição soa propositadamente distorcida. E não é que descubro também outros
sarcasmos nesse primeiro andamento de Leninegrado: cerca do minuto dezanove, no vídeo abaixo, Richard Wagner faz a sua aparição com o prelúdio dos Mestres Cantores de
Nuremberga, também tocado de forma distorcida. Pedro Amaral não lhe faz
referência, mas que Wagner está ali, está. A deformação dessas referências
musicais por Shostakovich, a meu ver, é um efeito que pretende ilustrar a
deformação do carácter do mal, no caso encarnado por Hitler e pelos líderes
políticos nazis, que gostavam de mostrar o quanto apreciavam as obras "arianas" de Franz
Lehar e de Richard Wagner, entre outras. Talvez a música
lhes soasse assim: deformada nas suas cabeças deformadas. A maldade e a loucura
deformam. A marcha militar do primeiro andamento da 7ª Sinfonia de Shostakovich
é uma marcha tomada pela loucura. A marcha da guerra.
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