Paul Valéry, citado por Martin Gilbert, História do Século XX, 2ª ed., Dom Quixote, 2011, pág. 206
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Voltámos aos tempos interessantes, agora no século XXI. Talvez ainda mais interessantes, no sentido que Paul Valéry dá à palavra.
Paul Valéry, citado por Martin Gilbert, História do Século XX, 2ª ed., Dom Quixote, 2011, pág. 206
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Voltámos aos tempos interessantes, agora no século XXI. Talvez ainda mais interessantes, no sentido que Paul Valéry dá à palavra.
Atearam um grande fogo na Europa Oriental, pensando que não se queimariam, longe que estavam, do outro lado do oceano (EUA), ou fora da Europa continental (Reino Unido). Os que estavam mais próximos ficariam com incumbência de o apagar, com prejuízo seu e ganho deles. E ateado o fogo, foram lançando mais lenha e mais gasolina. A Europa Ocidental e continental, iria provavelmente sentir algum calor. Talvez se queimasse, quem sabe? A Europa Oriental, arderia. E que conveniente seria para eles uma guerra na Europa e uma Europa a arder.
Findo o mercado do Afeganistão onde permaneceram 20 anos a usar quantidades massivas de armas e equipamento militar, a indústria do armamento tinha de arranjar outro mercado para escoar a sua imensa produção. Além disso, havia ainda que vender excedentes de gás natural.
Globalização, como é sabido, é acima de tudo interdependência entre países e espaços económicos. Como não poderiam estar os países do centro e leste europeus numa relação de interdependência com a Rússia? Construíram gasodutos e oleodutos, pois então. Interdependência que, se continuasse a aprofundar-se, poderia ser um risco para outros espaços económicos rivais (e os EUA comportam-se como um espaço rival da U.E. no campo económico). Agora vendem quantidades massivas de armas a uma Europa que se rearma e, na verdade, que tem de se rearmar e faz bem em rearmar-se já. Uma Alemanha que se rearma, (compra F-35 aos EUA, e já pensa em encomendar o Domo de Ferro aos israelitas) e que porá a sua indústria e engenharia a produzir e a inventar mais armas. Rapidamente terá armas nucleares, se quiser. Rapidamente se converterá numa grande potência militar. Rezam as Crónicas da Segunda Guerra Mundial* que a Alemanha ao entrar na guerra tinha 57 submarinos, durante a guerra pôs ao serviço 1 111 e no final ainda lhe sobravam 785.
A Europa tem de rearmar-se porque nunca se sabe que tipo de putin se sentará no Kremlin, ou que tipo de trump ou de biden se sentará na Casa Branca. Porque se hoje é Putin, amanhã a ameaça, poderá vir de outro lado. Ou até, de vários lados.
E, além disso, continuamos todos muito "interdependentes" da
mui democrática China, respeitadora zelosa dos Direitos Humanos. E que dizer da nossa interdependência com a mui democrática
Turquia, um paraíso dos Direitos Humanos, que ocupa o Norte de um país da U.E.
e pertence à NATO. Quando Portugal integrou a NATO, no início, estava longe de
ser uma democracia. Não nos venham falar agora de um conflito pela liberdade e
pela democracia. A Ucrânia tem de lutar pela sua autodeterminação e liberdade contra
o opressor russo. Agora tem. Mas este conflito podia ter sido evitado, se
tivesse havido mais astúcia, inteligência e vontade. Ainda recordamos uma entrevista de Zelensky, antes do início da invasão russa. Como ziguezagueou o
líder ucraniano.
Dizem os brasileiros que as onças se cutucam com varas
longas. Neste caso não houve esse cuidado com a onça russa.
Este conflito foi atiçado. Podia não ter sido. As cidades podiam estar de pé e os que morreram podiam estar vivos. A Ucrânia podia ter jogado com o tempo, mas foi colocada ante uma emergência. É uma tragédia, porque, por definição “uma tragédia é um desastre que podia ter sido evitado”**.
A U.E. não pode andar ao sabor dos interesses das grandes potências ou tornar-se um joguete dos Estados Unidos da América. A U.E. não pode ser uma extensão do Império Americano, que nos domina com o seu soft power, nem de nenhum outro. Macron já percebeu isso e os alemães também. E De Gaulle tinha uma certa razão. A França foi passada para trás pelos americanos e ingleses na venda de submarinos à Austrália antes desta guerra ter começado, tal o desespero da indústria de armamento americana, e o chanceler alemão foi humilhado por Biden, quando este, a seu lado, numa conferência de imprensa, respondeu por ele, que fecharia o gasoduto Nord Stream 2 alemão, como se fosse ele o Imperador e o chanceler um procônsul. O chanceler permaneceu sempre calado, mesmo quando antes lhe colocaram a questão.
É disto que a Europa tem de livrar-se: dos ditames dos Putins e dos Bidens (e dos Trumps) deste mundo. Chegou a hora da Europa, e ela sozinha, seguir e determinar o seu próprio rumo.
Aos americanos estaremos sempre gratos pelo sangue que
derramaram no passado, nos solos da Europa Ocidental, para a libertarem do imperialismo
e do fascismo. Mas os tempos agora são outros, os americanos são outros e a
Europa é outra.
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(*) AAVV, Grande Crónica da Segunda Guerra Mundial, Vol. 3. Selecções do Readers's Digest, 1978, pág. 458.
(**) Eliot Ackerman, James Stavridis, 2034, 2.ª ed., Penguin Random House, 2022, pág. 251.