sexta-feira, março 02, 2007

O Império

Mais de 100 000 pessoas manifestaram-se hoje nas ruas de Lisboa e os telejornais abriram todos com a notícia do "Fim da OPA".

Ah! O Império, o Império...

Estamos todos a ser anastesiados pela comunicação social, ou então, estamos todos cegos.

Será que todos portugueses são agora especuladores bolsistas? Será que lhes interessam mais as venturas e desventuras das empresas cotadas na bolsa? Seremos todos accionistas?

domingo, fevereiro 25, 2007

O desenvolvimento enquanto desígnio

Trinta e três anos de democracia decorridos. Trinta e três anos de “Abril”. Estranhamos uma ausência: onde está o desenvolvimento? As promessas de desenvolvimento parecem ter passado de moda. Na verdade, nem parece ser, no momento, conveniente falar dele. A buzzword, mais proferida pelos políticos, agora com todos os soundbites, é a do "crescimento económico". Até a oposição lastima o retrocesso do “crescimento económico”, ao longo destes dois últimos anos. Porém, ninguém questiona o desenvolvimento. Será que todos pensam que o país se desenvolveu? Que já somos desenvolvidos?

O crescimento económico é apenas um meio para se atingir um fim: o desenvolvimento. Mas está a ser considerado pelos nossos políticos como se de um fim se tratasse. O desenvolvimento foi esquecido.

Porque foi abandonado tal conceito nos seus discursos e nas práticas governativas? Por que razão foi abandonado, enquanto desígnio?

Somos levados a pensar que os políticos deixaram de acreditar convictamente no desenvolvimento, porque sentem que são incapazes de promovê-lo ou então, porque são medíocres.
O Professor Simões Lopes, citando Dudley Seers, lembra que “as perguntas a formular acerca do desenvolvimento de um país, de uma região, são simplesmente estas: o que é que vem acontecendo com a pobreza? Com o desemprego? Com as desigualdades? Se os três se têm reduzido (a pobreza, o desemprego, as desigualdades), não pode duvidar-se de que houve desenvolvimento no país ou região em questão.” (1)
Decorridos trinta e três anos desde o 25 de Abril de 1974, período em que governaram principalmente sociais democratas e socialistas (!), nalguns casos com maioria absoluta, questionamo-nos então: como evoluíram no nosso país os indicadores de pobreza, de desemprego, e das desigualdades? As respostas infelizmente apontam para um agravamento. Os indicadores revelam claramente, o aprofundamento das desigualdades (económicas, sociais e territoriais), o aumento do desemprego (e degradação da qualidade do emprego) e o aumento do número de pobres. Basta consultar as estatísticas, contidas nos mais recentes Relatórios de Desenvolvimento Humano da ONU, do Eurostat e de outros organismos internacionais. Decorridos 33 anos, lamentamos dizer: eis o estado a que isto chegou.
_________________________________________
(1) Lopes, Simões (2006), "Encruzilhadas de desenvolvimento: Falácias, dilemas, heresias", Revista Crítica de Ciências Sociais, n.º 75, Outubro 2006, pp. 41-61.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

O neoliberal século XXI e o Mediterrâneo

Sem qualquer nobreza, já não calcorreamos campos distantes, como soldados apartados da terra-mãe. Quentes nos nossos lares, confortáveis nas nossas poltronas, defronte das nossas lareiras, já não temos que lutar pela liberdade. Ela já nos foi oferecida (supostamente) numa bandeja de prata. Estamos agora demasiado acomodados, isolados e engordados, neste neoliberal século XXI. Não temos camaradas de armas com quem beber um copo e sonhar com lares distantes, deixados para trás. Não caminhamos já nas areias dos desertos, no Norte de África, de arma a tiracolo, como noutros tempos. Nem vigiamos o horizonte nas quentes ilhas do Mediterrâneo - esse mar navegado desde tempos imemoriais, por Ulisses, Eneias e outros antigos navegadores. O Mediterrâneo do passado ainda é porém, o dos nossos sonhos, e quem sabe, o do nosso futuro.

Século XX...Século XXI

O meu século XX teve início em 1968, após todas as tempestades do século. As guerras onde os nossos bisavôs se afundaram. O barco vogou após 1968 para águas mais tranquilas, climas quentes, mares tropicais. E hoje, perdidos neste mar, vogamos de ilha em ilha. Perdemos o tempo, ganhamos a vida...

Lassos corpos no convés, ao sol quente dos mares tropicais. Contemplamos o horizonte em busca de um ponto conhecido. O rumo da história trouxe-nos a estes mares nunca antes navegados. E por aqui velejamos, sem bússola e sem rumo. Aguardamos! Pode ser que o vento torne a soprar neste mar paradisíaco.

domingo, janeiro 21, 2007

Discurso de César às Legiões

Quando a mão cessar de agitar-se, e o lábio
de tentar falar; quando terminar
de organizar a minha destruição, e começar
a organizar meu esquecimento; quando for
coisa ou, menos ainda, a pegada de um gesto
ou, menos ainda, referência
de uma mancha muito zelosamente
apagada; quando acabem
as solúveis escórias, os destruídos
torrões, a fumarada,
de espalhar-se e afastar-se e ver-se
sumidos num fundo saco vazio; quando
nada estiver como está, como não esteve
nunca; quando já ninguém
entender nunca o que é nunca, e sempre
simule eternidades novas;
quando outros mordam o engano, ferido
o palato, e creiam a pés firmes
que estão e são, etcetera; e mais tarde,
quando já não haja nada que crer ou ninguém
que creia; quando não haja
ninguém; quando todas as récitas
acabem, se dispam os actores
de máscara e de pele, e o público
se retire e vá dormir, se apaguem
as luzes, e os ratos
busquem nas plateias
algum pedaço de chicle húmido; quando morrerem
também os ratos e os gulosos
vermes dos ratos e os pequenos
animais (ou plantas) que devoram
os vermes dos ratos; quando abatam
seu estriado prestígio os fustes; quando o brilho
se ensombre, e a sombra
se esfume; quando
tudo se suma num longo silêncio, e não haja um só
sinal para decifrar, TEREI VIVIDO.



(Alfonso Canales)

terça-feira, janeiro 02, 2007

Um Creso dos tempos modernos

Mais uma vez o passado assalta-nos a memória. Toda a glória é efémera! Essa é a lição de Creso, o rei Lídio que viveu em Sardes, no século VI a. C., e que pretendeu ser o mais feliz dos homens. Também Sadam teve destino quase semelhante. No auge do seu poder possuia esplendorosos palácios, tesouros valiosíssimos e tudo o que os seus desejos quisessem satisfazer. Nessa época julgava-se o mais feliz dos homens. Mas como narra a história, só no fim é que se faz o balanço. Só no fim um homem pode atestar da sua felicidade. A Creso salvaram-no, no último momento, da pira ardente, os deuses. O rei persa, Ciro, que o condenou, apiedou-se dele ao escutar os seus derradeiros lamentos. A Sadam, ninguém o escutou, nem os deuses vieram em seu auxílio. Fica a lição. Mais uma vez a história repete-se, ainda que, com ligeiras nuances.

sábado, dezembro 16, 2006

A noite de Vincent Van Gogh


















Vincent Van Gogh , A Noite Estrelada (1889)

A noite estrelada de Van Gogh é a noite assustadora. Algo se passa de estranho no céu ondulante como o mar. As estrelas parecem buracos negros no céu, aprisionando a luz em seu torno. A vila está recolhida, talvez com medo do fim do mundo, talvez simplesmente adormecida.
Definitivamente, já não se trata da antiga noite dos poetas. O elemento humano está presente e o elemento natural está alterado, distorcido. É a noite do princípio da Era Industrial. Era que deu início ao maior esforço de domínio da Natureza e transformação da superfície da Terra pelo Homem.

sexta-feira, dezembro 15, 2006

A antiga noite dos poetas

Dormem os cumes das montanhas e as ravinas,
os promontórios e as torrentes,
a floresta e quantos animais cria a terra negra,
as feras das montanhas e a raça das abelhas,
e os monstros nos abismos do purpúreo mar;
dormem também as tribos das aves,
com as suas grandes asas.

Álcman (Séc. VII a. C), in Hélade, Edições Asa, pág. 128.

Tradução da Excelentíssima Professora Maria Helena da Rocha Pereira. Grande Divulgadora da Cultura Clássica.

Álcman foi poeta nascido em Sardes, mas naturalizou-se espartano.

A noite de Álcman está repleta de elementos naturais e parece pertencer a um mundo em vias de extinção. No mundo actual, subjugado pelo elemento humano, cada vez mais omnipresente à superfície da Terra, já não dormem as montanhas, e os monstros dos abismos já não povoam a imaginação dos homens.

domingo, dezembro 10, 2006

Nas margens suburbanas

Viver no subúrbio é viver à margem, sem ser necessariamente um marginal. No subúrbio vive-se à margem da cidade e à margem do campo, mas nunca, isso nunca, à margem da vida, nem à margem do mundo. O subúrbio agora é um lugar de liberdade, mais do que no centro da cidade, porque pertencer ao subúrbio é não pertencer a lugar nenhum e ao mesmo tempo, pertencer ao mundo inteiro. Vive-se na franja, entre a cidade e o campo, entre o país e o mundo e no meio da juventude empreendedora. A capital essa, envelhece e torna-se conservadora, porque sente o futuro escapar-lhe.
O subúrbio emancipa-se, portanto, gradualmente da cidade centro. Já lá vão os tempos em que se ia de visita à velha capital, centro do Império Ultramarino.
Agora é no subúrbio que a vida se agita e fervilha. Na verdade, o subúrbio está cada vez mais independente da cidade centro e quase já não precisa dela.
E a velha "nomenklatura" dos intelectuais da vetusta urbe ainda se julga no centro do mundo, quando mais não é do que uma espécie de tainhas que se acardumam e engordam frente às cloacas do Tejo. As suas memórias, revelam-se quando falam: sempre e ainda o Estado Novo. Mas essas vivências já não pertencem a esta nova geração ainda que nos queiram ancorar àqueles outros tempos. Parece que já não pertencem ao nosso mundo nem ao nosso tempo. Vivem já das suas memórias. Não vivem já do seu futuro. Mas isso são outras histórias.

Etiquetas