segunda-feira, dezembro 31, 2007

Sobre 2008

O silêncio e a incerteza assolam os nossos dias. Fica em branco a página das previsões para 2008. Atravessamos uma era de crises a nível mundial e nacional, logo, uma era de mudança e de incertezas. O mundo atravessa várias crises: crise social, crise ecológica, crise e reestruturação dos Estados, crise do Welfare State, riscos associados à globalização, crise das democracias…Crise da Civilização Ocidental e da Humanidade…

Em Portugal temos crise na economia, na educação, na saúde, na segurança, e de forma estrutural, na justiça, o que significa que é a democracia que está em crise. O momento é portanto, de desencanto. Não sabemos onde vai desaguar este rio. Há quem lhe augure um triste fim. A decadência é propalada por velhos intelectuais, e opinion makers. Neles esse potente narcótico da esperança, já não produz qualquer efeito. Onde reside a esperança?

Uma sombra vai cobrindo o nosso país, lenta e inexoravelmente.

Os recursos financeiros ao dispor do Estado, cada vez mais mal geridos, tornam-se por essa via, cada vez mais escassos. São como um cobertor que se torna pequeno demais para tapar todas as necessidades do país. Assim os recursos são empregues prioritariamente na endividada capital, em particular no seu centro, onde residem o poder político e o poder económico, mas onde vivem cada vez menos pessoas. O resto do país é cada vez mais preterido, e o Interior, deixado ao abandono e aos velhos sem esperança.

Fala-se no crescimento económico enquanto desígnio, mas omite-se que pode haver crescimento económico com aumento do desemprego. Fala-se na criação de emprego enquanto desígnio, mas esquece-se a qualidade do emprego. Pode ser criado emprego, precário, ou seja, desemprego a prazo. Fala-se na qualificação dos portugueses, mas a preocupação é estatística. Qualifica-se sem preocupação com a qualidade. É preciso qualificar depressa…É preciso mostrar resultados. Foram exigidos resultados! Que resultados? Onde está o Desenvolvimento?

Como pretendemos reduzir o número de pobres que se avoluma? Como tencionamos reduzir o número de desempregados? Como vamos reduzir as desigualdades na distribuição da riqueza e as disparidades regionais?

O silêncio e a incerteza assolam os nossos dias. Fica em branco a página das previsões para 2008.

segunda-feira, dezembro 24, 2007

El Niño Dios

La adoración de los pastores - Murillo (Século XVII)



sábado, dezembro 15, 2007

Pedra no sapato

O Kosovo é a pedra no sapato da União Europeia. Impede-a de avançar. Não há solução à vista. É que neste caso, não é nada fácil tirar o sapato e lançar a pedra fora. Tal significaria que a União Europeia se teria autonomizado na sua política internacional face aos Estados Unidos da América. Mas a União Europeia não funciona, neste caso, como um bloco e as suas divisões intrínsecas enfraquecem-na. Além disso, a NATO funciona aqui como um colete de forças, prendendo-lhe os movimentos.

A incapacidade de resolver o problema do destino a dar ao Kosovo representa por isso, toda a fragilidade e impotência da União Europeia face aos EUA e à Rússia. Talvez esteja aqui o gérmen de uma nova Guerra Fria ou o simples acordar da velha, facto que tanto parece agradar à Rússia, ansiosa por assumir velhos protagonismos no mundo. Neste contexto, a União Europeia nem é tida nem achada. É humilhada.

É que para tirar o sapato, tem de pedir licença.

Quem diria?!

Aqui na Arcádia oiço notícias longínquas da nossa laboriosa cidade do Porto. É agora comparada com Chicago dos anos 20 do século XX, a dos tempos da Lei Seca, ou com Medellín, onde os senhores da droga são quem mais ordena e as vendettas se sucedem ao ritmo de rajadas de metralhadora e explosões dilacerantes. A amistosa população do Porto não merece tais comparações. Afinal, ao que chegámos?

É o que acontece quando a política vigente agrava a pobreza, as desigualdades e o desemprego.

O nosso país parece-se cada vez mais com um qualquer da América Latina (à excepção do Chile!). Somos cada vez mais "Terceiro Mundo". Era bom que não chegássemos a tal.

Aguardemos pela acção de quem nos governa e dirige. Com ou sem esperança.

domingo, novembro 25, 2007

Heraclito e o ensino

Disse Heraclito:

134. O ensino é outro sol para aqueles que o recebem.

Nota: fragmento 134 editado por DIELS e extraído da obra de Weil, Simon (1953) , A Fonte Grega, Estudos sobre o pensamento e o espírito da Grécia, Livros Cotovia, 2006, página 154.

quinta-feira, novembro 22, 2007

Sócrates e o ensino no Estado democrático

Disse Sócrates na República de Platão:
Ainda há estes pequenos inconvenientes: num Estado assim [democrático], o professor teme e lisonjeia os discípulos, e estes têm os mestres em pouca conta; outro tanto com os preceptores. No conjunto, os jovens imitam os mais velhos, e competem com eles em palavras e acções; ao passo que os anciãos condescendem com os novos, enchem-se de vivacidade e espírito, a imitar os jovens, a fim de não parecerem aborrecidos e autoritários. (Platão, A República, pág. 394)

Mas o excesso de liberdade, meu amigo, que aparece num Estado desses, é quando os homens e mulheres comprados não são em nada menos livres que os compradores. (Platão, A República, pág. 394)

Substitua-se a expressão “homens e mulheres comprados” pelo termo “assalariados”, e “compradores” pelo termo “empregadores” e temos então a aplicação desta ideia aos dias de hoje.

No passado o pedagogo era o escravo que levava o aluno, o filho do nobre ou do aristocrata, ao Mestre. Actualmente os professores são cada vez mais pedagogos, e cada vez menos, mestres. E o Nobre nos tempos democráticos é o Povo, pois é ele quem mais ordena. O que significa que os professores tendem a ser cada vez mais, uma espécie de escravos do Povo. E o sistema de ensino vigente, onde os políticos, representantes populares, mais ordenam, é a estrutura que suporta esta tendência.

Quando os mestres são convertidos em escravos é a educação que se escraviza. E é por aqui que se perde a Liberdade.

Sócrates advertiu há cerca de 2500 anos atrás:

É que, na realidade, o excesso costuma ser correspondido por uma mudança radical, no sentido oposto… (Platão, A República, pág. 396)

E o oposto da liberdade é sem dúvida a escravatura.

Actualmente nas nossas sociedades, ditas Ocidentais, vivemos sem dúvida, tempos de excesso…

E Sócrates concluiu peremptoriamente:

A liberdade em excesso, portanto, não conduz a mais nada que não seja a escravatura em excesso, quer para o indivíduo quer para o Estado. (Platão, A República, pág. 396)

Infelizmente parece que caminhamos paulatinamente e imparavelmente, no sentido apontado por Sócrates. O processo está em marcha e a educação dos tempos democráticos, já definha.

Nota: as citações foram retiradas da obra de Platão, A República, Fundação Calouste Gulbenkian, 9ª Edição, pp. 394-396.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Contra Horácio

Esquece o dia!

Esquece-o! Como se fosse apenas mais um dia numa longa existência.

Dias melhores virão.

Hoje tive um mau dia.

sábado, novembro 17, 2007

The God Delusion*

Dawkins, como qualquer ateu, crê "piamente" na inexistência de Deus. Um crente, qualquer crente, crê piamente na existência de Deus.
É certo que não se pode - pelo menos nenhum ser humano até agora o conseguiu - provar cientificamente a existência de Deus. Mas, da mesma forma, também ninguém pode provar científicamente, a inexistência de Deus.
São na verdade questões de fé, mas de pólos opostos. Não se podem provar. Qualquer ateu não pode provar a inexistência de Deus, da mesma forma que não pode provar a Sua existência. Qualquer crente não pode provar a existência de Deus. Apenas acredita. Tem fé. E se o crente tem fé na existência divina, o ateu tem fé na sua inexistência.
A questão na verdade é antiga, muito antiga. E muito séria, pois as nossas crenças acerca do que existe para além dos limites da vida, afectam directamente a forma como vivemos aquém desses limites.
Miguel de Unamuno aborda esta questão no sua obra Do Sentimento Trágico da Vida, onde confronta filosoficamente a fé com a razão. Miguel de Unamuno recusa-se a acreditar que a existência é apenas um relâmpago entre duas eternidades de trevas. Nesse caso não há nada mais execrável do que a existência, diz ele.
Estou com Unamuno quando afirma que "a razão e a fé são duas inimigas que não podem manter-se uma sem a outra" e também que, "a razão não nos prova que Deus exista, mas também não prova que não possa existir".
E partilho o seu sentimento quando afirma que "há que sentir e comportarmo-nos como se nos estivesse reservada uma continuação sem fim da nossa vida terrena depois da morte; e, se é o nada que nos está reservado, não fazer que isto seja uma justiça, segundo a frase de Obermann".
Dawkins, não deve ter lido Miguel de Unamuno. Pelo menos não consta da bibliografia da obra em causa. Julga que o saber ou o conhecimento humano acerca do Universo e da Vida já é suficientemente sólido e vasto, para sustentar essa "evidência" da inexistência de Deus. Acaba por cair no erro em que caem certos "sábios" - a falta de humildade. Consideram grande o campo do conhecimento já desbravado pela ciência. Tão grande, julgam, que nos podemos comparar com deuses e dispor da vida e da morte, e do Universo inteiro. Parecem ignorar o ilimitado campo do saber ainda por desbravar. Ignoram que, por muito que se saiba, nada se sabe. Só sei que nada sei, disse Sócrates. E disse bem. Estes novos sábios, ébrios com os novos saberes alcançados pela ciência, tomam a atitude oposta - pensam que tudo sabem, sem nada saberem, ou sabendo muito pouco.

(*) - Título original da obra de Richard Dawkins, A Desilusão de Deus, editada em Portugal pela Casa das Letras.

sexta-feira, novembro 16, 2007

O Menino da Sua Mãe


No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado -.
Jaz morto, e arrefece.

Raia-lhe a farda o sangue.
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.

Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».

Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
E boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.

De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo
A brancura embainhada
De um lenço…Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.

Lá longe, em casa, há a prece:
«Que volte cedo, e bem!»
(Malhas que o império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.


Poema de Fernando Pessoa

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