A antiguidade que determina o Dito de Anaximandro, pertence à madrugada do dealbar da “terra do poente”. E se o inicial ultrapassasse todo o posterior, se até o mais inicial ultrapassasse, ainda e mais possível, o mais tardio? O primevo da madrugada do destino apareceria então como o primevo em relação ao derradeiro (ἔσχατου), isto é, em relação à despedida do destino do ser até agora velado. O ser do ente reúne-se (λἑγεσθαι, λὁγοϛ) no extremo do seu destino. Aquele que até agora, tem sido o estar-a-ser [Wesen] do ser afunda-se na sua verdade ainda velada. A história do ser reúne-se neste adeus. A reunião neste adeus, enquanto reunião (λὁγοϛ) do mais extremo (ἔσχατου) daquilo que tem sido até aqui o seu estar-a-ser [Wesen], é a escatologia do ser. O ser ele próprio, enquanto ser que tem um destino, é, em si próprio escatológico.
Heidegger, Martin (1946), O Dito de Anaximandro in Caminhos da Floresta, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002, pág. 377.
Sonhamos ainda com o fecho dos ciclos e com um novo regresso à Idade do Ouro. Fortunae rota volvitur. Sonhamos com o regresso dessa primeira Idade, quando os homens eram livres e felizes. Ou sonhamos com a Idade em que os homens eram heróis, batendo-se ao lado dos deuses. E se o inicial ultrapassasse todo o posterior, se até o mais inicial ultrapassasse, ainda e mais possível, o mais tardio? (pergunta Heidegger). Hesíodo e o seu Mito das Idades ainda nos convoca, mas… a nossa Idade que ainda era há pouco a do Ferro, cessou, para dar lugar a uma nova Idade que não consta da mitologia. Já não a Idade do Ouro, da Prata, do Bronze ou do Ferro, mas uma nova Idade imaterial, feita de dados, informação, imagens… Torna-se necessário reescrever o Mito das Idades. Romperam-se os ciclos.
Mas retomamos o Dito de Anaximandro, para divagarmos com Heidegger acerca da possibilidade do seu cumprimento, com um retorno do estar-a-ser [Wesen] ao apeiron, essa verdade ainda velada, onde aquele que até agora, tem sido o estar-a-ser do ser se afunda. E o destino surge fatalmente enquanto lugar de retorno. Sempre o destino. O ser do ente reúne-se (λἑγεσθαι, λὁγοϛ) no extremo do seu destino. (…) A história do ser reúne-se neste adeus. E encerra-se assim um ciclo. O destino aqui, conduz o estar-a-ser a um eterno retorno, que se afunda na sua verdade e dela torna a emergir, furiosamente, como se estivesse lutando contra uma imersão profunda, ou pela Vida. Ou a Vida lutando por libertar-se das amarras que a prendem ao destino…
Talvez por isso Ortega y Gasset saliente que a vida é preocupação. Viver é preocupar-se, diz ele, ou seja, ocupar-se antecipadamente. Enfim, um eterno retorno do futuro, sempre convocado ao presente das nossas vidas. É por isso que nos preocupamos.

Anaximandro (Mileto, séc. VI a.C.) é o primeiro grego a escrever um livro, mas dessa obra resta apenas um pequeno fragmento: o Dito. E que Dito!

A memória é como um músculo. Se não for exercitada mirra, perde qualidades. A memória é a base de outros processos de raciocínio mais complexos. No entanto, alguns educadores e decisores parecem não ter compreendido e continuam a desvalorizá-la. Como a memorização foi levada longe demais por um ensino tradicional, que hoje se considera caduco, mesmo por aqueles que se alcandoraram em elevadas posições na nossa sociedade, educados pelo mesmo sistema de ensino que hoje abominam, as novas correntes de pensamento pedagógico, os novos pedagogos, resolveram erradicá-la das aprendizagens. Memorizar para eles, é anti-pegagógico.
La adoración de los pastores - Murillo (Século XVII)