sábado, agosto 01, 2009

Começar pelo princípio

Fernando Pessoa, Mensagem

É preciso descer a encosta e procurar outro caminho que nos leve ao cume da montanha. É necessário regressar ao sopé. Perdemos o trilho. A descida agora tem de ser cuidadosa, pois pode ser mais dolorosa do que a escalada se não for realizada com a necessária presença de espírito. Uma vez no sopé, é preciso tornar a avaliar o penhasco e procurar um possível novo percurso. E depois, voltar a tentar. Iniciar uma nova escalada. Procurar um novo caminho.

É esta a mensagem de Zizek*.

E ainda que tentem demover-nos, é preciso encarar a montanha que se ergue à nossa frente, em desafio. E a sua escalada é uma obrigação para todo aquele que não está contente com o mundo.

Na verdade, as causas do nosso descontentamento existem. São elas que nos motivam a subir e a não abandonar tão árdua tarefa. E o nosso descontentamento é o descontentamento com o mundo, hoje dominado pelo capitalismo neoliberal e pelos seus “antagonismos”: a sombria ameaça da catástrofe ecológica motivada pela capitalização de quase tudo (para os neoliberais, tudo o que é passível de ser comercializado no “mercado livre” é capital, desde florestas a presas de elefante, do petróleo a peles de foca); a transformação de toda a propriedade intelectual em propriedade privada; as implicações éticas e sociais dos novos desenvolvimentos tecnológicos, especialmente no campo da bio-genética; e as novas formas de apartheid social – dos muros aos condomínios fortaleza, das vedações eléctricas aos bairros-de-lata (Zizek, 2009: 53).

A montanha aguarda-nos.

O que esperamos?

Referências

*Zizek, Slavoj (2009); “How to begin from the beginning”, New Left Review, 57, May June 2009.

quarta-feira, julho 29, 2009

O Mal

«O mal, eu afirmo, não é contingente, não é a ausência, ou deformação, ou a subversão da virtude (ou seja o que for que pensemos como seu oposto), mas um facto obstinado e irremissível.»

Kolakowski, "The Devil in History", in My Correct Views

terça-feira, julho 28, 2009

O Destino

O Destino existe. Pressentimo-lo. Pressentiram-no os antigos povos. E pressentiram mais: nem os deuses, nem os homens o podiam iludir por muito tempo. Tudo acabaria sempre por regressar aos seus estranhos desígnios, contra todos os esforços de deuses e humanos. Mas os primeiros conheciam-no melhor. Conseguiam sustê-lo por mais tempo, mas já no limite das suas forças, tinham que o largar e dar-lhe livre curso. É como um rio imorredouro que ninguém pode impedir que corra e que retorna sempre ao seu curso, contra todos os esforços. Hoje sonhei com uma mulher que amei em tempos. E que, pelos vistos, não consigo deixar de amar. Por que sonhei? Não sei. Por que a amei? Não sei. Só sei que o Destino a trouxe e o Destino a levou.

O dia nasceu.

Os melros já cantam à minha janela, como em todas as manhãs. E isso ninguém consegue mudar.

quarta-feira, julho 22, 2009

Comunismo vs Capitalismo

No comunismo o indivíduo perde-se no colectivo.

No capitalismo o colectivo perde-se no indivíduo.

segunda-feira, julho 20, 2009

Assim choram os deuses

E o poente tem cores
Da dor dum deus longínquo
E ouve-se soluçar
Para além das esferas...

Ricardo Reis (12-06-1914)

Ainda o marfim...

Loxodonta africana

Vinte anos após a proibição de comércio de marfim, eis que voltam a tocar a rebate os sinos de alarme.

Afinal neste ínterim prosseguiu a caça, porque o comércio de marfim foi permitido em determinados períodos excepcionais. O suficiente para galvanizar caçadores, furtivos e autorizados, e comerciantes de marfim.

Mas, qual é a surpresa? Não relatam os viajantes a existência de lojas em Adis Abeba e em Harar, na Etiópia e no Quénia?

«O comércio de marfim era ilegal, de maneira que eu insisti no assunto. Tinha ouvido dizer que circulavam grandes quantidades de marfim de elefantes caçados furtivamente. Mas embora tivesse visto bocados dele à venda em lojas, nunca tinha visto dentes inteiros, e não sabia qual era o seu preço no mercado; na verdade embora me tivessem dito que o seu comércio florescia, em Harar e noutros pontos, não fazia ideia de que podia, muito simplesmente, entrar numa pequena loja de Adis Abeba e dizer: “Queria comprar uns dentes de elefante, por favor.”»

Paul Theroux (2002), Viagem por África, Círculo de Leitores, página 155.

Continua o saque, no coração das trevas.

domingo, julho 19, 2009

Memória Esquecida

«O que é significativo na época de transformação actual é a singular despreocupação com que abandonámos não só as prácticas do passado - isso é bastante normal, e não tão alarmante - mas a sua própria memória. Um mundo que mal acabámos de perder já está meio esquecido.» (pág. 17)

(...)

«Em muitos países, "pôr o passado para trás" - ou seja, concordar em superar ou esquecer (ou negar) uma memória recente de extermínio mútuo e violência intercomunitária - foi um objectivo primordial dos governos do pós-guerra: às vezes conseguido, às vezes demasiado conseguido.» (pág. 18)

(...)

«Mas mesmo na Europa uma nova geração de cidadãos e políticos está cada vez mais esquecida da história: ironicamente, é o que acontece em especial nos países ex-comunistas da Europa Central, onde "construir o capitalismo" e "tornar-se rico" são as novas metas colectivas, enquanto a democracia é tida por garantida e até encarada em alguns quadrantes como um estorvo.» (pág. 31)

Tony Judt, O Século XX Esquecido - Lugares e Memórias, Edições 70

domingo, julho 12, 2009

Certezas ou meias-verdades?


«Com confiança de mais e reflexão de menos, pusemos o século XX para trás e, a passos largos, entrámos com ousadia no seu sucessor, ataviados com meias-verdades convenientes: o triunfo do Ocidente, o fim da História, a hora unipolar americana, a marcha inelutável da globalização e do mercado livre.»

Tony Judt, O Século XX Esquecido - Lugares e Memórias, Edições 70

sábado, julho 11, 2009

A arte da fuga

Entre a espada e a parede, o alçapão!

Em tempos ouvi dizer de alguém mais aguerrido, que quando o colocavam entre a espada e a parede, preferia a espada. Mas há sempre uma solução quando parece não haver nenhuma. Uma delas é desaparecer, como que por artes mágicas, e voltar a reaparecer noutro lugar, são e salvo, longe da espada e da parede, mas principalmente, longe de quem empunha a espada. Como nos filmes antigos, mudos e a preto e branco, em que o herói acossado pelo vilão desaparece por detrás de uma cortina de fumo, ante a surpresa do agressor e do espectador. Já com a ponta da espada encostada ao pescoço, plim! E o herói reaparece a milhas…

É a suprema arte da fuga!

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