domingo, julho 25, 2010

O auge da modernidade, contado por quem a viveu

Viena, 1902

«Os sacerdotes da ciência substituíram os sacerdotes da divindade, e a sociedade conduzida pelo progresso deveria agora cumprir o que a sociedade guiada por uma ordem pré-fixada não conseguira alcançar.»

Zygmunt Bauman (1995). A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Relógio de Água, 2007. Pág. 31.

«Convencionalmente, nas ciências sociais, uma série de termos como secularismo, democracia, o estado-nação, cidadania, industrialização, urbanização, vêm à ideia para qualificar o que se entende por modernidade. Pode ainda acrescentar-se a esta lista de ideias a superioridade epistemológica da ciência, a autonomia da razão e da lei, a existência da esfera pública, os direitos humanos, uma série de liberdades fundamentais, a posse de propriedade individual e o individualismo.»

Couze Venn and Mike Featherstone, “Modernity”, Theory Culture Society, 2006; 23; page 459

Acresce ainda uma fé inusitada no progresso científico e tecnológico. Tal progresso contudo, não foi acompanhado por um progresso moral, facto que constituiu o calcanhar de Aquiles da modernidade. O colapso da modernidade decorreu assim entre 1914, data do início da Iª Guerra Mundial e 1945, data do fim da IIª Guerra Mundial, entre matanças industriais e uma depressão económica profunda, acontecimentos muito longe do espírito de quem vivia nas capitais dos impérios, no final do século XIX ou no início do século XX.

O auge desta época moderna, que já não é a nossa, foi muito bem descrita por Stefan Zweig que a viveu na sua juventude, em Viena:

«No seu idealismo liberal, o século XIX estava sinceramente convencido de se encontrar no caminho certo e infalível que levava ao “melhor de todos os mundos”. Era com desdém que se olhava para as épocas passadas, com as suas guerras, fomes e revoltas, como para um tempo em que a humanidade ainda era menor e insuficientemente esclarecida. Agora, porém, era apenas uma questão de décadas até terem sido definitivamente ultrapassados os últimos vestígios do mal e da violência, e a crença no “progresso” ininterrupto, imparável, tinha para essa época a força de uma verdadeira religião; já se acreditava mais nesse “progresso” do que na Bíblia, e o seu Evangelho parecia irrefutavelmente comprovado pelos novos milagres da ciência e da técnica. Efectivamente, para o final desse pacífico século, a prosperidade geral tornara-se cada vez mais visível, cada vez mais rápida, cada vez mais diversificada.»

Stefan Zweig, O Mundo de Ontem, Recordações de um Europeu, Assírio & Alvim, 2005, pág. 15

sábado, julho 24, 2010

sexta-feira, julho 23, 2010

Vai lá velejar para outro lado, ó burguês!

O ataque de uma baleia de 40 toneladas.

Estado do Intrépido logo após o ataque.

Reportagem e mais fotografias, no Le Figaro.

Só lamento que não tenha sido um barco japonês ou islandês.

O nosso presente sobressaltado

«Só quem podia olhar para o futuro sem sobressaltos gozava o presente de consciência tranquila

Stefa Zweig, O Mundo de Ontem, Assírio & Alvim, Pág. 15.

A este tiro o meu chapéu e curvo-me em sinal de respeito.

Suicidou-se com a sua companheira em 1942. Não suportou observar, mais uma vez, a derrocada do seu mundo. Perdeu a força para recomeçar outra vez e pensou que estava tudo acabado, que a Europa e o mundo jamais se reergueriam da tragédia que estavam a viver. Felizmente enganou-se.

Mas hoje vivemos sobressaltados com o futuro que se avizinha.

Como diz o sociólogo Ulrich Beck, vivemos numa sociedade de risco e pressentem-se as ameaças para lá do nosso horizonte imediato.

quinta-feira, julho 22, 2010

A lição de Aristides de Sousa Mendes

Ao ler Bauman lembrei-me de Aristides de Sousa Mendes.

Diz Bauman:

«Sermos responsáveis não significa seguirmos as regras, pode com frequência exigir que desrespeitemos as regras ou tomemos vias de acção não garantidas por regras.»

Zygmunt Bauman (1995). A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Relógio de Água, 2007. Pág. 291-292.

Felizmente Aristides não seguiu as regras.

quarta-feira, julho 21, 2010

terça-feira, julho 20, 2010

Exercises spirituels

Magritte, Exercises spirituels, 1936

segunda-feira, julho 19, 2010

Albrecht Dürer

Albrecht Dürer, Auto-retrato, 1500

domingo, julho 18, 2010

A “ética” do neoliberalismo

Operárias surpreendidas
pelo fecho da fábrica.
Não nos venham falar das virtudes dos mercados desregulados. Os mercados não têm ética. Prosperam na exploração e na indiferença para com os mais vulneráveis, e entre eles, as gerações futuras, que ainda não têm voz. Mas pior que isso, atentam contra a Vida. Eis porque somos tão visceralmente contra o neoliberalismo.

Zygmunt Bauman explica muito claramente esta nossa posição:

Mas a lógica do mundo dos negócios que governa os mercados autonomizados contemporâneos alimenta o esquecimento e a indiferença em relação a tudo o que não seja a tarefa instrumental em curso, a tudo o que esteja para além do espaço e do tempo imediatos da acção. Na acelerada e perspicaz análise de Geoff Mulgan,

todos os mercados introduzem poderosos incentivos à evasão das responsabilidades, a fazer suportar os custos pela comunidade e a desvalorizar o futuro e o que será deixado às gerações vindouras. Os direitos de propriedade ocupam-se da prestação de cuidados dentro de limites estreitos, mas só o fazem ao preço da negligência na sua relação com o resto da sociedade. Além disso, a força de persuasão moral do mercado é minada pelo facto de quase qualquer acção pode ser justificada como uma resposta adequada à «disciplina do mercado» e quando quase qualquer fornecedor de um bem ou serviço amoral pode argumentar que a culpa na realidade é da procura do público em geral.

Confiar nos mercados «desregulados» como modo de «trazer ao de cima o que há de melhor nas pessoas» tem por efeito não o progresso, mas a devastação moral – e segundo Mulgan, «a cupidez e o egoísmo, a corrupção nas esferas do governo e dos negócios acabam por ser a marca da época neoconservadora». [leia-se neoliberal]

Tal como o esprit de corps da burocracia empresarial, também o espírito dos negócios milita contra os sentimentos e, sobretudo, contra os sentimentos morais. Os interesses comerciais não se conciliam facilmente com um sentimento da responsabilidade relativo ao bem-estar daqueles que se poderão descobrir lesados pela maximização dos resultados visado pelo mundo dos negócios. Na linguagem do meio, a «racionalização» significa as mais das vezes o despedimento de pessoas que até esse momento ganhavam a vida ao serviço dos interesses dos racionalizadores. Essas pessoas passam agora a ser «supranumerárias» por se terem descoberto maneiras mais eficazes de fazer as tarefas que elas faziam, ao mesmo tempo que os seus serviços passados pouco são levados em conta: cada transacção comercial, se quiser ser perfeitamente racional, terá de começar do zero, esquecendo os méritos passados e as dívidas de gratidão. A racionalidade do mundo dos negócios furta-se à responsabilidade das consequências que ela própria produz, o que representa um novo golpe mortal na importância das considerações morais. Os horrores das zonas degradadas, das ruas sórdidas, as comunidades outrora prósperas e agora moribundas, órfãs das empresas que as mantinham em vida e hoje se transferiram – obedecendo às razões mais ponderosas e mais racionais – para pastagens mais convidativas, não são vítimas da exploração, mas de um abandono provocado pela indiferença moral.

Zygmunt Bauman (1995). A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Relógio de Água, 2007. Pág. 266-267.

Etiquetas