domingo, julho 18, 2010

A “ética” do neoliberalismo

Operárias surpreendidas
pelo fecho da fábrica.
Não nos venham falar das virtudes dos mercados desregulados. Os mercados não têm ética. Prosperam na exploração e na indiferença para com os mais vulneráveis, e entre eles, as gerações futuras, que ainda não têm voz. Mas pior que isso, atentam contra a Vida. Eis porque somos tão visceralmente contra o neoliberalismo.

Zygmunt Bauman explica muito claramente esta nossa posição:

Mas a lógica do mundo dos negócios que governa os mercados autonomizados contemporâneos alimenta o esquecimento e a indiferença em relação a tudo o que não seja a tarefa instrumental em curso, a tudo o que esteja para além do espaço e do tempo imediatos da acção. Na acelerada e perspicaz análise de Geoff Mulgan,

todos os mercados introduzem poderosos incentivos à evasão das responsabilidades, a fazer suportar os custos pela comunidade e a desvalorizar o futuro e o que será deixado às gerações vindouras. Os direitos de propriedade ocupam-se da prestação de cuidados dentro de limites estreitos, mas só o fazem ao preço da negligência na sua relação com o resto da sociedade. Além disso, a força de persuasão moral do mercado é minada pelo facto de quase qualquer acção pode ser justificada como uma resposta adequada à «disciplina do mercado» e quando quase qualquer fornecedor de um bem ou serviço amoral pode argumentar que a culpa na realidade é da procura do público em geral.

Confiar nos mercados «desregulados» como modo de «trazer ao de cima o que há de melhor nas pessoas» tem por efeito não o progresso, mas a devastação moral – e segundo Mulgan, «a cupidez e o egoísmo, a corrupção nas esferas do governo e dos negócios acabam por ser a marca da época neoconservadora». [leia-se neoliberal]

Tal como o esprit de corps da burocracia empresarial, também o espírito dos negócios milita contra os sentimentos e, sobretudo, contra os sentimentos morais. Os interesses comerciais não se conciliam facilmente com um sentimento da responsabilidade relativo ao bem-estar daqueles que se poderão descobrir lesados pela maximização dos resultados visado pelo mundo dos negócios. Na linguagem do meio, a «racionalização» significa as mais das vezes o despedimento de pessoas que até esse momento ganhavam a vida ao serviço dos interesses dos racionalizadores. Essas pessoas passam agora a ser «supranumerárias» por se terem descoberto maneiras mais eficazes de fazer as tarefas que elas faziam, ao mesmo tempo que os seus serviços passados pouco são levados em conta: cada transacção comercial, se quiser ser perfeitamente racional, terá de começar do zero, esquecendo os méritos passados e as dívidas de gratidão. A racionalidade do mundo dos negócios furta-se à responsabilidade das consequências que ela própria produz, o que representa um novo golpe mortal na importância das considerações morais. Os horrores das zonas degradadas, das ruas sórdidas, as comunidades outrora prósperas e agora moribundas, órfãs das empresas que as mantinham em vida e hoje se transferiram – obedecendo às razões mais ponderosas e mais racionais – para pastagens mais convidativas, não são vítimas da exploração, mas de um abandono provocado pela indiferença moral.

Zygmunt Bauman (1995). A Vida Fragmentada, Ensaios sobre a Moral Pós-Moderna. Relógio de Água, 2007. Pág. 266-267.

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