sexta-feira, junho 10, 2011

O crepúsculo do dever

As nossas sociedades liquidaram todos os valores sacrificiais, quer sejam determinados pela outra vida ou por finalidades profanas, a cultura quotidiana deixou de ser irrigada pelos imperativos hiperbólicos do dever e passou a sê-lo pelo bem-estar e pela dinâmica dos direitos subjectivos, deixámos de reconhecer a obrigação de nos ligarmos a qualquer coisa para além de nós próprios.

(…)

Sociedade pós-moralista: entenda-se uma sociedade que repudia a retórica do dever austero, integral, maniqueísta, e que, paralelamente, exalta os direitos individuais à autonomia, ao desejo, à felicidade.

Gilles Lipovetsky, O Crepúsculo do Dever: A Ética Indolor dos Novos Tempos Democráticos, Publicações Dom Quixote, 2004.

“Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do País com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar.”

Cavaco Silva, Discurso do Presidente da República na Cerimónia de Homenagem aos Combatentes, por ocasião do 50º Aniversário do início da Guerra em África

Forte do Bom Sucesso, Lisboa, 15 de Março de 2011

***

Quantos de nós estaremos hoje dispostos a sacrificar a vida pela pátria, pela liberdade, pelos nossos concidadãos, pelo nosso bairro e pelos nossos vizinhos? No passado não se hesitava: os homens sacrificavam-se quando um rei, um presidente, um primeiro-ministro (ou um presidente do conselho) os convocava em nome da pátria. Partiam, sem contestar, para a guerra, para o Ultramar, para os campos de batalha longínquos, para a morte. Muitas vezes partiam às ordens dum líder lunático, sem sequer questionarem os seus ditames. A defesa do solo pátrio, por exemplo, sobrepunha-se ao bem-estar pessoal e à “dinâmica dos direitos subjectivos”. No passado (não muito distante) as mentalidades e a escala de valores eram outras.

Numa sociedade “pós-moralista”, como a actual, que “repudia a retórica do dever austero, integral, maniqueísta”, os incitamentos à acção pela pátria são recebidos com desagrado, repulsa ou desprezo. “Os direitos individuais à autonomia, ao desejo, à felicidade” sobrepõem-se aos deveres para com o colectivo, sempre que estes ponham em causa o bem-estar individual.

Talvez por isso, quando o Presidente Cavaco Silva, no dia 15 de Março deste ano, incitou os jovens de hoje a empenharem-se com a mesma coragem, desprendimento e determinação dos jovens de ontem, no cumprimento de missões e causas essenciais ao futuro do País, muitos tenham ficado chocados com o apelo.

Vivemos em sociedades capitalistas e liberais, onde prevalece a mentalidade do “primeiro eu, depois o mundo” e “depois de mim, o dilúvio”, por isso o que esperávamos?

Vivemos no crepúsculo do dever.

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quinta-feira, junho 09, 2011

domingo, junho 05, 2011

Nevoeiro

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer -
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.

Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...

É a hora!

Fernando Pessoa, Mensagem

Pelicanos

sábado, junho 04, 2011

As novas cidades-fantasma de Espanha

Ayamonte (à esquerda) e a sua recente vizinha, a cidade-fantasma de Costa Esuri (à direita)
(a escala das duas imagens é a mesma)

Quantas Ayamonte cabem em Costa Esuri - uma cidade nova e insustentável, que está às moscas?

Foi em projectos megalómanos como o de Costa Esuri que os bancos escoaram o dinheiro dos depositantes. Resultado: uma crise financeira que iremos pagar todos porque "os bancos são importantes demais para irem à falência".

E não se pense que é um problema só dos espanhóis. A rede internacional de transacções bancárias e financeiras serviu para difundir uma crise que teve o seu epicentro nos EUA, em 2007, e que já nos atingiu. A Espanha foi apenas uma das vítimas do contágio. Em última instância, a austeridade que nos está a ser imposta, resultou em grande parte desta crise no sector imobiliário (a bolha imobiliária) e da falta de regulação das actividades bancárias, financeiras e imobiliárias.

É uma grande injustiça os contribuintes e os trabalhadores terem agora de pagar a insanidade dos bancos e de outras instituições financeiras.

Os governos, entretanto, assobiam para o lado e estão com os bancos e com os mercados que lhes emprestam dinheiro.

E assim nos vamos escravizando aos mercados.

Lido esta semana


O que eu não perdoo a Sócrates e seus muchachos

sexta-feira, junho 03, 2011

Estado de desgraça

O próximo governo e respectivo primeiro-ministro entrará em estado de desgraça logo no dia 6 de Junho, estado esse que se manterá por muito tempo. Estado de graça não haverá. Desta vez não haverá. Mais tarde, talvez entremos numa espécie de estado engraçado…desgraçadamente engraçado. Quando o primeiro-ministro nos vier dizer que afinal não poderemos pagar a dívida. Que afinal será necessária uma reestruturação. Como se não o soubéssemos já.

quinta-feira, junho 02, 2011

La fuente de Reding

Guillermo Gómez Gil, La fuente de Reding, 1880-1885
(Museo Thyssen-Bornemiza, Málaga)

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