domingo, julho 10, 2011

Charles Darwin, o anti-Cristo cósmico


A vida, que se consubstancia na evolução, joga-se na entropia criando ordem, definindo níveis de organização que surgem de fases anteriores sem que possamos descobrir determinismo e, suprema ironia, só pode evoluir produzindo desordem e impondo-lhe condicionalismos. Charles Darwin encarna o pior acidente cosmológico do pensamento ocidental, o anti-Cristo cósmico.
(…)
Não há Deus, nem princípio vitalista, nem ontologia no cosmos, e ainda menos na história da vida. Triste materialismo? Não há decepção, não há desencanto num Darwin que se deslumbra com a evolução ao observar: «Não existe mais grandeza em considerar que o Homem possa ter nascido de uma tal aventura?»”
Pascal Picq, Nova História do Homem, Círculo de Leitores. 2009. pp. 300-303

***

A aprendizagem continua. Do caos nasce o cosmos e do cosmos o caos. A vida é organização no seio da entropia mas, para evoluir, produz mais entropia.
Heraclito não podia estar mais certo, com a sua fórmula: «viver de morte, morrer de vida.»

sábado, julho 09, 2011

quarta-feira, julho 06, 2011

De piolheira a lixeira, em pouco mais de 100 anos

Ah, Portugal! Agora, nem de plástico és (que é mais barato)! És lixo! Dizem lá nas agências financeiras norte-americanas. Já nem te querem comprar. Abaixo disto, só a reciclagem. Então sim: um Portugal novo e reciclado! Até lá teremos de penar na lixeira. (Lixeira para a especulação financeira, entenda-se, que aqui também não se diz mal de Portugal).

domingo, julho 03, 2011

A justa distribuição dos sacrifícios

Todos os rendimentos, superiores ou iguais ao salário mínimo nacional, serão alvo do imposto extraordinário, excepto os rendimentos de capitais. Cá está a justa repartição dos sacrifícios de que falava o nosso Presidente! É justo!

Argumento de um comentador na SIC Notícias: assim é, pois caso contrário, os investidores poderiam fugir com o dinheiro para o estrangeiro, o que prejudicaria a economia nacional. Brilhante!

O trabalho, infelizmente, não tem o mesmo grau de mobilidade do capital financeiro. Não pode circular com a mesma celeridade. Consequência: taxa-se o trabalho, ficando livre o capital financeiro.

Isto está mesmo a pedir uma bernarda.

Ah plácido povo que a tudo te submetes!

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Outra:

Um dia depois de ser anunciado o imposto extraordinário que permitirá ao Estado arrecadar 800 milhões de Euros, publica-se um despacho em Diário da República que determina um empréstimo ao BPN no valor de 1 000 milhões. Os fiadores somos nós, contribuintes.

Tudo isto é revoltante.

sábado, julho 02, 2011

City of ships


«CITY of ships!
(O the black ships! O the fierce ships!
O the beautiful, sharp-bow’d steam-ships and sail-ships!)
City of the world! (for all races are here;
All the lands of the earth make contributions here;)
City of the sea! city of hurried and glittering tides!
City whose gleeful tides continually rush or recede, whirling in and out, with eddies and foam!
City of wharves and stores! city of tall façades of marble and iron!
Proud and passionate city! mettlesome, mad, extravagant city!
Spring up, O city! not for peace alone, but be indeed yourself, warlike!
Fear not! submit to no models but your own, O city!
Behold me! incarnate me, as I have incarnated you!
I have rejected nothing you offer’d me—whom you adopted, I have adopted;
Good or bad, I never question you—I love all—I do not condemn anything;
I chant and celebrate all that is yours—yet peace no more;
In peace I chanted peace, but now the drum of war is mine;
War, red war, is my song through your streets, O city!»
Walt Whitman, Leaves of Grass

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Cidade de navios!

(Oh, navios negros! Oh, navios ferozes!

Oh, belos vapores e veleiros de afiadas proas!)

Cidade do mundo!, (pois todas as raças estão aqui,

Todas as terras do mundo deram o seu contributo);

Cidade do mar! Cidade de apressadas e resplandecentes marés!

Cidade cujas jubilosas marés avançam continuamente ou retrocedem para dentro e para fora em remoinhos de espuma!

Cidade de cais e armazéns - cidade de altas fachadas de mármore e ferro!

Altiva e apaixonada cidade - cidade revolta, louca, extravagante!

Ergue-te, ó cidade, não só pela paz, mas pelo que é realmente, pela guerra!

Não temas - não te submetas a modelos que não sejam os teus, ó cidade!

Contempla-me - encarna-me como eu te encarnei!

Não recusei nada do que me ofereceste - aquilo que adoptaste eu adoptei,

Bom ou mau, nunca te questionei -amo tudo - não condeno nada,

Canto e celebro tudo o que é teu - mas basta de paz,

Na paz cantei a paz, mas agora o tambor da guerra é meu,

A guerra, a guerra vermelha é o meu canto através das tuas ruas, ó cidade!


Walt Whitman, Folhas de Erva - Antologia, Assírio & Alvim, 2003, pp. 263
tradução de José Agostinho Baptista

terça-feira, junho 28, 2011

A justa distribuição dos sacrifícios e blá, blá, blá.

«Cavaco Silva remete para a AR a avaliação do Programa do Governo, mas afirma que “é preciso cuidado na distribuição dos sacrifícios".»

É uma hipocrisia falar-se da justa distribuição dos sacrifícios sem que se defenda uma auditoria à dívida portuguesa. Sem se saber quem são os responsáveis pela dívida, quem viveu acima das suas possibilidades, quem contraiu dívida e quais os valores contraídos, não se pode falar em distribuição justa dos sacrifícios. Enquanto Cavaco Silva não vier defender uma auditoria à dívida portuguesa, não nos convencerão as suas palavras de que é preciso ter muito cuidado na distribuição justa desses sacrifícios". Soarão a hipocrisia.

Fazer pagar a todos a dívida contraída por alguns é uma injustiça. Tornar a todos devedores quando apenas alguns se endividaram é uma injustiça. Mesmo que uma parte dessa dívida seja atribuível à gestão danosa do Estado.

Por isso, Sr. Presidente, defenda lá a auditoria à dívida portuguesa e deixe-se de tretas.

Walt Whitman, o poeta das transfigurações

Walt Whitman é o poeta das transfigurações. É o poeta sem medo. O poeta da Natureza. Transfigura-se no mundo visível e invisível. Não desafia a morte porque a aceita sem temer. O seu espírito deambula, desde os lugares mais luminosos aos mais sombrios. Nas estradas e ruas das cidades. No meio dos regimentos em batalha. Entre as árvores. Sobre a relva. Voando como um falcão. Sentindo o pulsar do coração dos veados. Whitman torna-se o grande sentido do mundo. É panteísta. Sente Deus em todo o lado e em si. E não aceita que lhe venham dizer quem Deus é e onde está.

Sobre o XVIII de Songs of myself (Walt Whitman)

Eis um hino à própria música. A vitória da derrota e a derrota da vitória. “Também te digo que é bom perder, as batalhas perdem-se com o mesmo espírito com que se vencem”. Tudo se torna mais sereno. Cessou o medo da derrota. Os vencidos fazem parte da festa. Todos são saudados. O conjunto de vitoriosos e vencidos é o mais importante. Sem uma parte a outra perderia significado. A evolução é um jogo de vida e de morte. Que soe a música da vida! Bem sonora! Honras aos vencedores e vencidos (ergamos as nossas taças). Ambos são a face de uma mesma moeda.

Song of Myself

18

«With music strong I come, with my cornets and my drums,
I play not marches for accepted victors only, I play marches for
conquer'd and slain persons.

Have you heard that it was good to gain the day?
I also say it is good to fall, battles are lost in the same spirit
in which they are won.

I beat and pound for the dead,
I blow through my embouchures my loudest and gayest for them.

Vivas to those who have fail'd!
And to those whose war-vessels sank in the sea!
And to those themselves who sank in the sea!
And to all generals that lost engagements, and all overcome heroes!
And the numberless unknown heroes equal to the greatest heroes
known!
»

Walt Whitman, Leaves of Grass, Song of Myself, XVIII

***

Tradução:

«Com estrondosa música venho, com as minhas corneta e os meus tambores,
Não só toco marchas para os vencedores aclamados, também as toco para os conquistadores e abatidos.

Ouviste dizer que foi bom vencer?
Também te digo que é bom perder, as batalhas perdem-se com o mesmo espírito com que se ganham.

Toco e volto a tocar pelos mortos.
Sopro por eles a minha mais alta e alegre melodia.

Vivas pelos vencidos!
E por aqueles cujos vasos de guerra se afundaram no mar!
E por aqueles que também se afundaram no mar!

E por todos os generais que perderam e por todos os vencidos heróis!
E pelos inumeráveis heróis desconhecidos iguais aos maiores heróis conhecidos!
»

Walt Whitman, Folhas de Erva - Antologia, Assírio & Alvim, 2003, pág. 61-62
tradução de José Agostinho Baptista, excepto o ante-penúltimo verso

domingo, junho 26, 2011

O peso insustentável do antropocentrismo

«Com que direito, não os homens, mas certos homens se arrogam o poder de impor a sua única verdade à comunidade de todos os homens, na diversidade dos seus pensamentos e das suas culturas, justificando a exclusão e depois a extinção das espécies mais próximas de nós?

Não se trata de relativismo, mas de sublinhar mais uma vez que, mesmo no pensamento ocidental, existem outras sensibilidades abertas a um humanismo comprometido com a alteridade e acompanhado de uma interrogação fecunda que procura permanentemente não excluir. Os inquisidores que se tranquilizem! Ao ritmo a que se processam as destruições dos habitats naturais dos grandes macacos, todos eles terão desaparecido antes de 2050. Três mil anos depois de Aristóteles, estamos aqui. Em lugar de nos conduzir ao céu devido à elevação do nosso pensamento, a escala natural das espécies mergulha nos abismos da destruição sob o peso insustentável do antropocentrismo.»

Pascal Picq, Nova História do Homem, Círculo de Leitores, 2009. Pág. 114

***

Prossegue a sexta extinção de massas. Neste excerto da obra de um paleoantropólogo filósofo, deparo-me com uma terrível notícia: no ano 2050, já os grandes macacos terão desaparecido. Talvez os vejamos depois, embalsamados, por detrás das vitrinas de algum museu de história natural. Glorioso antropocentrismo!

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