domingo, março 04, 2012

O neoliberalismo enquanto uma “revolução do mercado”


Visto a partir da nossa época, é o ano de 1979 que deve ser qualificado de data-chave do final do século XX. De um triplo ponto de vista, foi nessa época que se entrou na situação pós-comunista: com o princípio do fim da União Soviética (após a invasão do Afeganistão pelo seu exército), com a chegada ao poder de Margaret Thatcher e com a consolidação da revolução islâmica no Irão, sob a liderança do aiatola Khomeini.
O chamado neoliberalismo, no fundo, mais não foi do que um novo cálculo dos custos da paz interna nos países de «economia mista» capitalista e social-democrata de estilo europeu ou do «capitalismo regulado» à maneira dos Estados Unidos. O resultado dessa auditoria foi uma conclusão inevitável: o partido dos chefes de empresa ocidentais pagara muito caro pela paz social, sob a pressão política e ideológica provisória do Leste. Considerou-se que chegara a hora de tomar medidas para reduzir os custos, medidas que, pela sua tendência, transferiram o centro de gravidade do primado do pleno emprego para a prioridade da dinâmica empresarial.”
(…)
O quarto de século que se seguiu à “revolução do mercado” concebida por Keith Joseph e implementada na Grã-Bretanha por Margaret Tatcher em 1979 (que logo se espalhou por todo o continente e por grande parte do mundo ocidental, em especial na América de Reagan, 1981-1988, e de Clinton, 1993 – 2001) mostrou com que precisão esses diagnósticos correspondiam à situação e a radicalidade das consequências que dela se extraíam. Tal manifesta-se com maior clareza na duradoura tendência do neoliberalismo – a longa marcha para o desemprego de massa que marcou o ritmo do ponto de vista sociopolítico. A nova situação levou ao que era impensável até então: as populações das nações europeias aceitaram, mais ou menos sem luta, taxas de desemprego de 8% a 10% ou mais – até mesmo as reduções cada vez mais sensíveis das prestações do Estado social não chegaram até agora para reacender as chamas da luta de classes. As relações de soberania inverteram-se de um dia para o outro: as organizações dos trabalhadores não têm muita coisa na manga para exercer a ameaça efectiva, pois o privilégio da ameaça passou quase exclusivamente para o lado dos empresários. Estes podem agora afirmar de maneira bastante plausível que tudo vai ser ainda pior se a parte adversa se recusar a entender e atender as novas regras do jogo.”

Peter Sloterdijk (2006), Cólera e Tempo. Relógio D’Água. 2010. Pág. 253-254

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Vivemos já o tempo em que é o “partido dos chefes de empresa ocidentais” que mais ordena. De acordo com Sloterdijk, este domínio tornou-se total quando a alternativa que se podia contemplar a Leste deixou, de um dia para o outro, de existir. De acordo com o filósofo, um dos inesperados efeitos colaterais do comunismo soviético foi manter o “partido dos chefes de empresa ocidentais” em sentido, face à possibilidade ameaçadora da classe trabalhadora abraçar o sistema alternativo que se vislumbrava a Leste, caso não fossem satisfeitas as condições por ela ambicionadas, entre as quais o pleno emprego e a construção de um Estado social. Perante tal possibilidade, os “chefes de empresa” anuíram frente aos trabalhadores na concessão de tais condições e esse foi um factor que possibilitou a construção de um Estado social europeu. Quando a queda do bloco de Leste, por fim, afastou do horizonte essa possibilidade de secessão, o “partido dos chefes de empresa ocidentais” alterou o seu posicionamento e iniciou o desmantelamento do Estado social. Nas palavras do filósofo “o partido dos chefes de empresa ocidentais” apercebeu-se que afinal estivera a pagar um preço demasiado elevado pela paz social, pois o sistema que se vislumbrava a Leste afinal não era mais do que uma espécie de fachada. Não são de estranhar pois, as palavras de Margaret Thatcher, essa cabecilha do partido “dos chefes de empresa ocidental”, de que “Não há alternativa”. Foi nesse momento que o Bloco de Leste e em particular a União Soviética começavam a dar sinais de forte de erosão – a dificuldade em vencer no Afeganistão, por exemplo - anunciadores de um futuro desmoronamento. Ufanava-se então Thatcher, dizendo que já não havia alternativa pelo que agora o seu partido teria rédea solta para quebrar a espinha ao forte movimento sindical britânico e doravante poderia dar início ao desmantelamento do Estado social e à prossecução de políticas que privilegiavam a dinâmica empresarial em detrimento do primado do pleno emprego, até ai vigorante. O resultado da política neoliberal rapidamente se notou com o aumento galopante do desemprego, da pobreza e das desigualdades sociais. A sociedade - que na óptica de Thatcher era afinal coisa que não existia, pois para ela apenas haviam indivíduos ou grupos de indivíduos - tornou-se cada vez menos solidária, sendo a liberdade individual e o sucesso empresarial erigidos a valores fundamentais. O individualismo (o grande opositor do colectivismo) tornou-se o caldo de cultura destas sociedades dessolidarizadas.

Em Portugal, qual Albânia do Ocidente, registou-se sempre um hiato de décadas entre as tendências políticas que vigoram no estrangeiro e as que se fazem sentir no país. No entanto a ideia prevalecente entre a elite indígena de que o que vem de fora é que é bom, melhor e mais moderno, leva a que os nossos conterrâneos, ilustres iluminados e estrangeirados, acabem sempre por copiar essas modas ou tendências, ainda que algumas, entretanto, já tenham passado de moda lá fora. Isto para dizer que o neoliberalismo chegou tarde e a más horas a Portugal, mas chegou implacavelmente, primeiro de forma insinuante pela mão de José Sócrates que lhe preparou bem o terreno, e depois pela mão de Passos Coelho. Mas, na verdade, parece que o neoliberalismo ainda não passou de moda lá fora. Que o diga David Cameron do Partido Conservador, no poder no Reino Unido.

Hoje é o “partido dos chefes de empresa ocidental” e pior do que esse, o partido de Wall Street, que dominam o mundo ocidental, para não dizer o mundo inteiro*.
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Notas:

(*) - Ainda que hoje também existam, como sabemos, "partidos dos chefes de empresa" orientais e empresas estaduais chinesas, vivendo estas sob um regime de partido único.

sexta-feira, março 02, 2012

As soluções para a crise. Afinal é simples.


Mais competitividade.
Mais inovação.
Mais empreendedorismo.
Mais resiliência.
Mais confiança. (É preciso conquistar a confiança dos mercados! Irra!)
E mais flexibilidade.

Força Mike, força! Estou contigo!

sábado, fevereiro 25, 2012

“Podemos falir, mas falimos na praia.”

Fonte da Telha, 18/02/2012                                                                         © AMCD

A classe média passeia-se no areal, junto ao mar.

Don't Be a Jerk, Jonny by The Drums on Grooveshark

quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Perguntem aos gregos, na rua.

Ao nível do contexto económico europeu (e por extensão, mundial), vivemos uma situação parecida com a que imediatamente precedeu a IIª Grande Guerra, quando Chamberlain ao aterrar no aeródromo de Heston a 30 de Setembro de 1938, vindo de Munique, anunciou esfuziante ter conseguido à última da hora um acordo com Hitler que garantiria a paz nos tempos vindouros. Como sabemos, a guerra teve início logo no ano seguinte, a 1 de Setembro de 1939, quando as forças armadas alemãs atravessaram a fronteira polaca.

Hoje, da mesma forma, anuncia-se aos quatros ventos um novo pacote de “ajuda” à Grécia que garantirá a recuperação daquele país e, finalmente, o seu crescimento económico e o afastamento da crise do horizonte, para todo o sempre. Pois bem, todos já percebemos: a “guerra” vem aí.

Perguntem aos gregos, na rua.

O anúncio de Chamberlain "aos quatro ventos", exibindo na mão direita o Acordo de Munique.

terça-feira, fevereiro 21, 2012

O fracasso da escola

A cultura consumista-hiperindividualista não é a encarnação do horror cultural absoluto. Simplesmente, ressente-se da sua hipertrofia, de um triunfo que não se preocupa o suficiente em erguer barreiras ao seu poder. Assim, a era consumista não impede em absoluto o desenvolvimento de elites nem, mais amplamente, a boa escolarização dos jovens para que, enquadrados pela família, se salvem dos métodos escolares “expressivos”, das sitcom, dos chats, dos downloads de música, da publicidade das marcas. Quando desaparece o contrapeso familiar, a ordem consumista e a escola que lhe corresponde manifestam-se no seu fracasso. Sob a bandeira da democratização, a nova era cultural é profundamente “desigualitária”; é um êxito para alguns, para aqueles cujo enquadramento familiar põe limites à expansão e ao poder dissolvente da cultura cool; é fatal para outros, para todos aqueles que, não apoiados pela sua família, não encontram já nenhum suporte “institucional” para formar-se e aprender.

Há que repeti-lo: a nossa escola não funciona. Pede uma mudança, sem dúvida uma reforma intelectual profunda, para reorientá-la e colocá-la em condições de honrar as suas promessas de educação e mobilidade social

Lipovetsky, Gilles; Serroy, Jean (2010), La Cultura-Mundo – Respuesta a una Sociedad Desorientada. Editorial Anagrama. Barcelona. Páginas 171-172
(Traduzido da edição espanhola aqui pelo muchacho)

A obra existe em Portugal:

Lipovetsky, Gilles; Serroy, Jean (2010), A Cultura Mundo – Resposta a Uma Sociedade Desorientada. Edições 70.

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Ainda aprendemos e ensinamos na anacrónica escola da Era Industrial. A escola ainda funciona como uma espécie de linha de montagem. A entrada e saída de alunos e professores nas e das salas de aula, por exemplo, faz-se ao ritmo de pavlovianas campainhas (quais sirenes fabris). E o conhecimento nas salas de aula ainda se transmite em doses empacotadas. Isto quando fora da escola (e dentro dela também) e em todo o lado, a informação se encontra disponível para quem a queira colher. Informação omnipresente, mas também excesso de informação. Selvas de informação onde nos perdemos e enredamos. Mas já não a Era do deserto da informação. Que fazer então? Se vivemos na Era da Informação, porquê uma escola da Era Industrial? O resultado de tudo isto é a promoção de uma reprodução social que mantém os pobres na pobreza e os ricos na riqueza (e não falamos apenas da pobreza material). E não me venham com essa de que pobres sempre haverá. Mas era suposto que a escola enriquecesse? Era (e mais uma vez não falamos de riqueza material)! Mas neste jogo jogam sempre outros factores, não é verdade? Muito se esforçam os que dentro da própria escola laboram, mas a questão transcende-os, pois esta escola é demasiado importante para que seja deixada apenas ao cuidado dos que dela bem cuidam e estimam.

Esta escola, tal como existe, não honra efectivamente as suas “promessas de educação e mobilidade social”. Antes pelo contrário, contribui para a manutenção das desigualdades sociais e para a reprodução social.  É assim que as elites o desejam, não vá a sua posição ser posta em causa pela mobilidade ascensional dos filhos da ralé. Não vá deixar de haver ralé. É que a ralé afinal é precisa. Afinal, como dizia Almeida Garret, que não consta que fosse comunista: quantos pobres são necessários para se produzir um rico?

segunda-feira, fevereiro 20, 2012

O que aconteceu naquele dia em Cajamarca

John Everett, Pizarro Seizing The Inca of Peru, 1846

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Excerto da obra de Jared Diamond (1997), Armas Genes e Aço:

O que aconteceu naquele dia em Cajamarca é bem conhecido, visto ter sido registado por escrito por muitos participantes espanhóis. Para termos uma ideia daqueles acontecimentos, vamos ressuscitá-los combinando excertos de relatos de seis companheiros de Pizarro, incluindo os seus irmãos Hernando e Pedro, testemunhos oculares:

domingo, fevereiro 19, 2012

Rumos e acontecimentos

Nos momentos de crise, de verdadeira crise, existem dois tipos de pessoas que se distinguem quanto às decisões que tomam e às acções que empreendem, em função da análise que realizam da sua circunstância ou, se quisermos, da realidade: as que pressentem, ou percebem antecipadamente, para onde os acontecimentos as poderão levar, e as que acabam por ser levadas pelos acontecimentos.

Um mundo multipolar?

Na realidade ainda não estamos lá. Vivemos na Era da Hiperpotência, que teve início com o findar da Guerra Fria, quando deixou de haver duas superpotências e passou a existir apenas uma. O que temos hoje? Uma hiperpotência decadente em trajectória descendente e um conjunto de potências emergentes em trajectória ascendente.

sábado, fevereiro 18, 2012

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