domingo, março 22, 2020

Passeio higiénico

Passeia-te a ti mesmo.

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Não tendo animais de companhia para passear, passeei-me a mim mesmo hoje, nos termos regulamentares, claro está. O Decreto n.º 2-A/2020, que regulamenta a aplicação do estado de emergência decretado pelo Presidente da República, no seu Artigo 5º, alínea i) permite-o, desde que se trate de "deslocações de curta duração, para efeitos de fruição de momentos ao ar livre".

Realizado o rápido passeio pelas ruas quase desertas em que me cruzei com raros transeuntes em igualdade de circunstâncias, seguiu-se, mais uma vez, tal como no domingo passado, "uma rápida retirada em direcção ao recato do lar-bunker onde se consumiu o resto do dia". Isto já começa a ser o novo normal domingueiro, um estúpido novo normal, diga-se de passagem: rápidas retiradas para o lar-bunker. O problema é que ninguém nos garante que o tal micro-organismo* "«agregado de biomoléculas» patogénico e incapacitado para viver autonomamente fora das células que parasita" (Kutschera, 2008) não o tenha já invadido, insidioso e invasivo que ele é, e aguarde apenas o momento oportuno para nos invadir a nós

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(*) Com efeito, um vírus não é considerado um organismo e representa uma forma intermédia situada entre o mundo inanimado das moléculas e as células metabolicamente activas. (Kutschera, 2008). Não vamos portanto elevá-lo a micro-organismo, porque organismo é que ele não é (pelo menos autónomo).


Referência

Kutschera, Urlich (2008), Biologia Evolutiva, Fundação Calouste Gulbenkian, 2013

quinta-feira, março 19, 2020

Evolução do nº de infectados pelo coronavirus, EUA, Europa e China


Fonte: Bloomberg (adaptado)

https://www.bloomberg.com/graphics/2020-wuhan-novel-coronavirus-outbreak/, (consultado a 19/03/2020)

Pela leitura desatenta dos gráficos até parece que os EUA estão numa situação tão grave como a Europa ou a China, mas não é verdade. A Bloomberg devia ter rodeado o gráfico dos E.U.A, com uma lupa, pois o número de infectados nesse país corresponde a apenas 10,3% dos infectados na China e a 9,1% dos infectados na Europa.

domingo, março 15, 2020

Peripatético sob ameaça



Hoje, pela manhã, entre a Praia da Rainha e a Praia do Rei, poucos eram os que se passeavam à beira-mar. Todos devidamente apartados (excepto alguns que iam aos pares), uns correndo, outros caminhando, passando bem à ilharga uns dos outros, não fosse o coronavírus andar por ali.

Depois, a rápida retirada em direcção ao recato do lar-bunker onde se consumiu o resto do domingo.

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Desta vez o Titanic embateu num vírus, e entre o ir e o não ir ao fundo, lá se vai tentando fingir a normalidade.

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Tenho-me lembrado nestes dias das palavras de George Steiner que disse que tinha uma certa imagem mental da verdade emboscada ao virar da esquina, à espera de que o homem se aproxime – e a preparar-se para lhe dar uma cacetada na cabeça*; e também de Urlich Beck e da sua Sociedade do Risco, a nossa sociedade do risco.

Estes tempos de excepção colocam-nos naqueles dias de aproximação de apocalipses, os dias do fim, em que é rompida a normalidade da rotina quotidiana. Mas é apenas isso no caso presente: a mera sensação de iminência de um fim.

O vírus não afundará o Titanic. Ficaremos somente um pouco mais conscientes do quão frágil é o navio em que navegamos face a essa verdade que a Natureza nos oferece: a de que estamos sós num universo hostil que só está à espera nalguma esquina que o homem se aproxime para lhe dar uma marretada na cabeça.

É que não era suposto estarmos aqui e contudo estamos.

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(*) George Steiner, Nostalgia do Absoluto, Relógio D’Água, 2003. Pág. 80 e 81.


domingo, fevereiro 23, 2020

sexta-feira, fevereiro 21, 2020

Até sempre, VPV

Vasco Pulido Valente (1941- 2020) 

Em primeiro lugar: muito obrigado, Vasco Pulido Valente!

Perdemos mais um excelente analista crítico da sociedade portuguesa. Uma voz necessária, e, muitas vezes, incómoda. Era um prazer ler as suas crónicas, mesmo quando as considerávamos cáusticas ou mordazes, ou até injustas. Mas era uma voz para ouvir com atenção.

Esteve entre nós, bloguers: escreveu num blogue chamado o "O Espectro". A blogosfera estava efervescente nessa altura. O link está ali em baixo nos "Saudosos Idos". É verdade: disparava em todas as direções, com a sua escrita acutilante, irónica e jocosa. Sobre Cavaco escreveu o seguinte, uma vez:


Ler os ditos de VPV era um puro prazer. 

Fica aqui a minha homenagem.

Até sempre, Vasco.

terça-feira, fevereiro 04, 2020

Até sempre, George Steiner






George Steiner (1929-2020)

Esvaziamos da sua humanidade aqueles a quem negamos a palavra. Tornamo-los nus e absurdos. O “silêncio de pedra” pode ser uma imagem literal e terrível do murmúrio confuso, ou na ausência de discurso, do “petrificado”. Quando o diálogo com os outros se quebra a Medusa domina o interior do nosso ser.

George Steiner (1971), No Castelo do Barba Ruiva, Relógio D’Água, 1992, Pág. 118.

Até sempre, George Steiner.

sexta-feira, janeiro 31, 2020

sábado, janeiro 11, 2020

Liberdade

Liberdade é não sentir medo.

                                        Nina Simone

(citada por Joacine Moreira, Expresso, Revista E, 28 de Dezembro de 2019, pág. 105)

quarta-feira, janeiro 01, 2020

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