segunda-feira, agosto 22, 2022

Livros lidos: 2666

 


Roberto Bolaño, 2666, Quetzal, 2009


⭐⭐⭐⭐

Cinco estrelas. 1025 páginas em 20 dias. Não aconselhável a menores de 18 anos nem a pessoas hipersensíveis ou com os nervos em franja. Bolinha vermelha no canto superior direito. Demasiado gráfico e, por vezes, pornográfico, por vezes com uso recorrente do baixo calão. O horror dos desaparecimentos, das moscas e dos cadáveres violados. Onírico, misterioso, diabólico. Prende o leitor. A ler com muita cautela, ou a não ler.

 

Ali se encontram Poe, no suspense em que nos coloca, McCarthy no ambiente hostil do Meridiano de Sangue, Eco e o ambiente misterioso do Nome da Rosa nos diabólicos episódios do Penitente, profanador de igrejas, e David Lynch, que Bolaño refere, e muitos muitos outros que escapam ao nosso alcance, ou não, e que seriam demasiados para aqui enumerar.

***

Três dias depois da profanação da Igreja de Santa Catalina, o Penitente introduziu-se a altas horas da noite na Igreja de Nuestro Señor Jesuscristo, no bairro da Reforma, a igreja mais antiga da cidade, construída em meados do século XVIII, e que durante algum tempo serviu de sede episcopal de Santa Teresa. No edifício adjacente, situado na esquina das ruas Soler e Ortiz Rubio, dormiam três padres e dois jovens seminaristas índios da etnia papago que frequentavam os estudos de Antropologia e História na Universidade de Santa Teresa. (…) De repente, um barulho de vidros partidos acordou-o. Primeiro pensou, coisa estranha, que estava a chover, mas logo se apercebeu de que o barulho provinha da igreja e não de fora, levantou-se e foi investigar. Quando chegou à reitoria ouviu gemidos e pensou que alguém tinha ficado fechado num dos confessionários, coisa totalmente improvável pois as portas destes não fechavam. O estudante papago, contrariamente ao que se dizia das pessoas da sua etnia, era medroso e não se atreveu a entrar sozinho na igreja.

 

Roberto Bolaño, op. cit., p. 426.

quinta-feira, agosto 11, 2022

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Fernando Chalana (1959 - 2022)

segunda-feira, agosto 08, 2022

O mestre Sun disse


A Conduta da Guerra é

 

Uma Conduta de Enganos.

 

Quando posicionares as tuas tropas,

Age como se não fosse o caso.

 

Quando perto,

Finge-te longe.

 

Quando longe,

Finge-te perto.

 

Lança o engodo;

 

Desfere um ataque pronto.

 

Sun Tzu (séc. IV a.C.), A Arte da Guerra

Edições Quasi, 2008, p. 10

 

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Foi o que os russos fizeram em Fevereiro, ou tentaram fazer. A conduta da guerra é uma conduta de enganos.

Manobras que não são manobras, mas o prelúdio de uma invasão.

Quando os chineses invadirem a Formosa, pouco antes, farão “manobras”.

sábado, agosto 06, 2022

Do não alinhamento marxista com os fundamentalismos pós-modernos

 «A ideia de cultura contemporânea pouco tem a ver com cultura. Esta ideia também veio camuflar um problema fundamental das sociedades humanas: o falhanço da redistribuição da riqueza e a relevância da vida digna.

Esqueçamos as desigualdades económicas, a questão da distribuição da riqueza, os trabalhadores, o povo, a luta de classes. Estas foram substituídas pelas questões do sexo, da raça, da orientação sexual e de qualquer ideia de eventual subalternidade.»

 

João Maurício Brás, Os Novos Bárbaros - A Moral de Supermercado, Opera Omnia, 2021, p. 223.

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Um marxista que se preze não prescinde da divisão da sociedade em classes. A luta de classes para ele é imorredoura e motivada por esse “problema fundamental das sociedades humanas”, problema também ele perene porque jamais haverá uma sociedade sem classes, sem pobres e sem ricos. Isso é um ideal, para não lhe chamar uma utopia. Haverá, por essa razão, sempre chão para a sua luta.

Um marxista que se preze não confunde o fundamental com o acessório. Não confunde a luta de classes com outras lutas, acessórias, fracturantes e rendidas ao capital. Para o marxista, no centro estará sempre o trabalhador e o valor do seu trabalho apropriado pelo capitalista, e nunca o consumidor. Daqui surge o grande desajustamento com a actual sociedade de consumo, em que o trabalhador, camuflado pela novilíngua em “colaborador”, é cada vez mais um consumidor e o capitalista um “empreendedor”.

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P.S. O marxismo cultural é uma contradição nos termos. 

sexta-feira, agosto 05, 2022

Sois Rei!






Jô Soares (1938 - 2022)

Eras cerebrais

 Na Era da Máquina o cérebro maquinava. Na Era do Computador o cérebro computa, processa. O que fará o cérebro nas futuras eras? Teremos de esperar. Ou morrer.

A melancolia deu lugar à depressão. Compressões e descompressões da Era Industrial. Descompensações. Hoje o cérebro esturrica – burnout – como um computador sobreaquecido pelo excesso de processamento. Excesso de informação processada, pois não estamos nós na Era da Informação? Ou da desinformação? A ter em atenção: informação ≠ saber.

O cérebro nem é uma máquina nem um computador, felizmente. O que ele é ainda nos transcende. Felizmente.

quinta-feira, agosto 04, 2022

Das leis da Física

A reacção é sempre uma resposta à acção. Os activismos delirantes (enquadrados pelo movimento woke) e a teologia de mercado (neoliberalismo) motivaram a emergência de movimentos reactivos igualmente delirantes. Agora queixam-se da ascensão da extrema-direita reaccionária. Pois ela aí está, purulenta, brotando por todos os poros do corpo social.

terça-feira, agosto 02, 2022

A importância das coisas

 As coisas só são importantes para quem lhes dá importância.

Mas há quem não dê às coisas a devida importância.

sexta-feira, julho 29, 2022

O futuro da civilização não parece muito risonho

Kenneth Clark [1969], Civilização, O Contributo da Europa para a Civilização Universal, Gradiva, 2ª ed., 2022

⭐⭐⭐⭐


«A incompreensibilidade do nosso novo cosmo parece-me, em última análise, a razão para o caos da arte moderna. Sei pouco mais do que nada sobre ciência, mas passei a minha vida a estudar a arte, e estou completamente perplexo com o que se passa hoje. Às vezes gosto do que vejo, mas quando leio os críticos modernos percebo que as minhas preferências são puramente acidentais.

Contudo, no mundo da acção algumas coisas são óbvias - tão óbvias que hesito em repeti-las. Uma delas é a nossa dependência cada vez maior das máquinas. Deixaram de ser ferramentas e passaram a dar-nos instruções. Da metralhadora Maxim ao computador, são, na sua maior parte, meios através dos quais uma minoria consegue subjugar os homens livres.

Outra das nossas especialidades é a nossa ânsia de destruição. Com a ajuda das máquinas, demos o nosso melhor para nos destruirmos em duas guerras, e ao fazê-lo libertámos uma enxurrada de maldade, que as pessoas inteligentes tentaram justificar com o elogio da violência, «teatros de crueldade» e por aí adiante. Juntemos a isto a memória dessa companheira sombria que está sempre connosco, como o reverso do anjo da guarda, silencioso, invisível, quase irreal – e, no entanto, inquestionavelmente presente e pronta a afirmar-se ao toque de um botão, e teremos de reconhecer que o futuro da civilização não parece muito risonho.»

Kenneth Clark, op. cit., pp. 409-411.

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Se procura o cubismo, o dadaísmo, o surrealismo, enfim, a arte moderna e pós-moderna, não os encontrará por aqui. Esses movimentos artísticos não se contam entre as grandes contribuições da Europa para a Civilização. A arte moderna está num caos. As palavras de Kenneth Clark sobre a actual situação da arte ressoam a decadência de uma civilização e até da Civilização. Estaremos já a viver uma Era crepuscular? Muitas são as vozes a anunciá-lo. A de Kenneth Clark é uma delas. São demasiadas vozes para que fiquemos impávidos e serenos, sem partir para a acção. 

Mas talvez já seja tarde. Os novos bárbaros já estão na cidade. E não, não são os imigrantes, nem os refugiados.


Joseph-Noël Sylvestre, O Saque de Roma pelos Bárbaros, em 410 d.C., 1890

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