quarta-feira, setembro 10, 2008

Karl Polanyi e a Liberdade

Nos anos 40 do século XX, Karl Polanyi teve a ousadia de questionar a liberdade, num momento em que se morria por ela nos campos de batalha da Europa, África e Ásia. O geógrafo David Harvey, na sua Breve História do Liberalismo (2005) refere-se a Polanyi da seguinte forma (a tradução é minha):

«Na sua análise [Polanyi] notou que existem dois tipos de liberdade, uma boa e outra má. Esta última manifesta-se através da “liberdade para explorar o semelhante, ou a liberdade para realizar ganhos incomensuráveis não proporcionais aos serviços prestados à comunidade, a liberdade para esconder invenções e inovações tecnológicas de modo a não serem utilizadas para benefício público, ou a liberdade para se lucrar com calamidades públicas secretamente engendradas para vantagem de privados”. Mas Polanyi prossegue afirmando que “na economia de mercado onde prosperam aquelas liberdades produzem-se também liberdades altamente prezadas. Liberdade de consciência, liberdade de expressão, liberdade de reunião, liberdade de associação, liberdade de escolher o nosso próprio trabalho.” Enquanto acarinhamos estas liberdades para nosso próprio benefício - e certamente muitos de nós o fazem – existe uma larga extensão de by-products da mesma economia que são também responsáveis pelas más liberdades.» (Harvey, 2005)

Polanyi (1954) responde a este dualismo da seguinte forma:

«The passing of [the] market economy can become the beginning of an era of unprecedented freedom. Juridical and actual freedom can be made wider and general than ever before; regulation and control can achieve freedom not only for the few, but for all. Freedom not as appurtenance of privilege, tainted at the source, but as a prescriptive right extending far beyond the narrow confines of the political sphere into the intimate organization of society itself. Thus will old freedoms and civic rights be added to the fund of new freedoms generated by the leisure and security that industrial society offers to all. Such a society can afford to be both and free. (Polanyi, 1954, [citado por Harvey, 2005])

Infelizmente, Polanyi notou que a passagem a tal futuro é bloqueada pelo “obstáculo moral” da utopia liberal (e mais do que uma vez cita Hayek como um exemplar daquela tradição):

Planning and control are being attacked as a denial of freedom. Free enterprise and private ownership are declared to be essentials of freedom. No society built on other foundations is said to deserve to be called free. The freedom that regulation creates is denounced as unfreedom; the justice, liberty and welfare it offers are decried as a camouflage of slavery. (Polanyi, 1954, [citado por Harvey, 2005])

O fundamentalismo neoliberal que apenas considera livres as sociedades fundadas no princípio da livre empresa, da propriedade privada e isentas de qualquer regulação, constitui-se como um “obstáculo moral” à constituição de sociedades justas e reguladas, verdadeiramente livres e geradoras de bem-estar social.

Referências

Harvey, David (2005); A brief history of neoliberalism; Oxford University Press

Polanyi, Karl (1954); The great transformation; Boston, Beacon Press.

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