domingo, junho 17, 2012

O salto em frente da Europa, por cima do abismo da história


«A inteligência europeia está agora perante o desafio de transformar a sua máquina de fabricar destino. Não se trata agora de uma nova reclamação do Império por um sujeito político pan-europeu com sede em Bruxelas; não competirá aos Europeus, nem hoje, nem amanhã, brincar aos Romanos pela enésima vez. Nenhum contemporâneo inteligente pode seriamente interessar-se por um «Leviatã supranacional» com o nome de União Europeia. (…)

Não se trata já de enformar as potências neoeuropeias por reivindicações dos modelos da velha Europa (como implicava outrora a simbólica carolíngia enganadora de Estrasburgo e de Aix-la-Chapelle), mas de substituir o próprio princípio do Império pela união dos Estados, num acto de criação da forma política que se inserirá na história do mundo. Na qualidade de federação multinacional, a Europa tem de afinar um primeiro modelo conseguido por essa entidade intermédia que falta entre os Estados-nação e as organizações do complexo United Nations. Tal é o tema incontornável de uma filosofia política europeia do futuro. Dela se pode dizer desde já que só pode realizar-se pelo modo de uma filosofia-de-processo do pós –imperialismo

Peter Sloterdijk (2008), Se a Europa Acordar. Relógio D’Água. Pág. 48-49

«O poder que se exerce a partir de Bruxelas sobre a grande Europa encontra-se agora perante uma escolha. Ou quer passar para um imperialismo mais ou menos aberto, nomeadamente sob influência de cenários sugestivos que profetizam uma guerra económica entre os Estados Unidos, o Japão e a Europa, bem como uma guerra mundial por infiltração do Sul contra o Norte. Ou compreende que a sua oportunidade reside na translação do Império para um não-império, uma nova união de entidades políticas. Se se decidir por um novo Império, perde o resto da sua alma e provoca o seu próprio desaparecimento por depravação das três gerações futuras. Apenas com a aliança da ambição e do cinismo, nenhuma cultura moderna percorrerá nem que sejam cem anos suplementares

Peter Sloterdijk (2008), Se a Europa Acordar. Relógio D’Água. Pág. 60

***

Passaram alguns anos desde 1994, data em que foi escrito o texto acima, e a Europa parece querer recuar agora para um cenário impossível. A constituição de uma federação multinacional parece não se encontrar na mesa das opções políticas. A falta de arrojo e de liderança política, a mediocridade e a inépcia política dos líderes europeus, com destaque para a chanceler Angela Merkel, parecem estar a lançar a Europa para a desagregação, para a Velha Europa dos Estados-nação rivais. Mas esse tempo já não existe mais. Estamos a querer voltar a um lugar que não existe. Ao procurarmos refúgio nessa ideia e nesse tempo, nem ao passado regressamos. Provocaremos o nosso próprio desaparecimento, como diz o filósofo. Por que aguardam os líderes para darem esse salto para a federação multinacional? Aguardarão a voz reivindicativa dos povos? Terão de ser os povos a exigi-lo?

Por agora, a Europa ainda dorme.

Etiquetas