«No dia em que iam matá-lo,
Santiago Nassar levantou-se às 5.30 da manhã para esperar o barco em que
chegava o bispo. Tinha sonhado que atravessava uma mata de figueiras-bravas,
onde caía uma chuva miúda e branda, e por uns instantes foi feliz no sono, mas
ao acordar sentiu-se todo borrado de caca de pássaros. «Sonhava sempre com
árvores», disse-me a mãe, Plácida Linero, recordando 27 anos depois os
pormenores daquela segunda-feira ingrata. «Na semana anterior tinha sonhado que
ia sozinho num avião de papel de estanho que voava sem tropeçar por entre as
figueiras», disse-me. Tinha uma reputação bastante bem ganha de intérprete
certeira de sonhos alheios, desde que lhos contassem em jejum, mas não
descobrira qualquer augúrio aziago nesses dois sonhos do filho, nem nos
restantes sonhos com árvores que ele lhe contara nas manhãs que precederam a
sua morte.»
Gabriel Garcia Márquez,
Crónica de uma Morte Anunciada, Publicações
Dom Quixote, 1995.
***
A minha passagem preferida:
«Até então não tinha chovido. Pelo
contrário, a Lua estava no meio do céu, e o ar era diáfano, e no fundo do
precipício via-se a regueira de fogos-fátuos no cemitério. Do outro lado
divisavam-se as sementeiras de bananas azuis ao luar, os pantanais tristes e a
linha fosforescente do Caribe no horizonte.»
Op. Cit., pág. 60